Depois do aborto, direita cristã tenta pôr eutanásia na agenda
Se na terça-feira à noite a direita cristã tentou, através do dirigente do CDS-PP Paulo Núncio, colocar a revogação da lei do aborto na agenda da campanha, ontem foi a vez de tentar fazer o mesmo com a revogação de outra lei fraturante, a que descriminalizou a eutanásia. Num caso como no outro, são temas completamente ausentes do programa eleitoral da Aliança Democrática.
Numa carta aberta ontem divulgada, dirigida aos dirigentes de todos os partidos com assento parlamentar, cem personalidades – entre as quais o antigo ministro centrista António Bagão Félix, a médica Isabel Galriça Neto e o antigo líder do CDS José Ribeiro e Castro – apelam a que o próximo Parlamento se comprometa politicamente com a revogação da lei da eutanásia, que lembram, foi publicada a 25 de maio do ano passado.
Os signatários desta missiva, oriundos de várias alas da sociedade portuguesa, entre a justiça, a área evangélica e o mundo empresarial - como o presidente executivo do grupo de saúde privada José de Mello, Salvador Mello - lembram que “os processos legislativos” que levaram à aprovação no hemiciclo da lei da eutanásia sofreram “diversas vicissitudes sendo rejeitados, um deles (em 2018) pelo Parlamento, e dois deles pelo Tribunal Constitucional, por Inconstitucionalidade”. Depois, salientam, houve dois vetos políticos do Presidente da República, sendo que, no segundo, a decisão do Parlamento prevaleceu sobre a de Marcelo nesta matéria, culminando com a aprovação do diploma.
Em acréscimo a estes argumentos, os subscritores da carta afirmam que a legalização do “suicídio assistido [...] ofende profundamente os princípios mais básicos da dignidade humana e os fundamentos da nossa civilização”, acrescentando que “ao graduar a proteção da vida humana em função de uma doença, nega-se o direito de todos a um Estado que cuida e não mata”.
Por parte dos partidos políticos, considerando as posições assumidas nos programas eleitorais, só o Chega propõe a revogação da “Lei n.º 22/2023, de 25 de maio, que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível”. Todos os outros partidos da direita, incluindo a Aliança Democrática (AD), a coligação que integra o PSD, o CDS e o PPM, não têm uma única palavra dedicada ao tema nos documentos que apresentam às eleições de 10 de março.
Já a esquerda, por seu lado, dedica-lhe algumas linhas, ainda que a morte medicamente assistida não seja consensual por entre esta ala do hemiciclo, com a CDU a optar por fazer apologia dos cuidados paliativos e a demarcar-se da eutanásia.
No programa, o Bloco de Esquerda decom unhas e dentes a regulamentação da eutanásia, destacando que a “aprovação da despenalização da morte assistida constituiu uma importante vitória de uma democracia fundada nos direitos de todas as pessoas”. Enquanto o Livre desenvolve o tema, centrando-o na “dignidade”, o PAN destaca que é “urgente” regulamentá-lo.
O PS, que arrumou a eutanásia ao transpor a regulamentação da lei para o próximo governo, também não dedica uma única linha à regulamentação.
Questionado sobre a carta ontem enviada aos partidos, o líder do PS, Pedro Nuno Santos, declarou que a posição do partido já está firmada. “Não li a carta. A posição do PS é clara sobre isso. Outros têm de clarificar. Connosco, a lei de despenalização da eutanásia será regulamentada”, esclareceu.