Civic gaming e os novos eleitores
Há uma realidade que é dramática, desde logo para o Partido Socialista: a captação do voto de eleitores até aos 34 anos. Nas últimas eleições legislativas, de 2022, apenas 15% do eleitorado do PS tinha entre 18 e 34 anos, a menor capacidade de atração do voto mais jovem de entre todos os partidos então com assento parlamentar (e, aqui, incluindo também o CDS-PP). Até a CDU conseguia 19% dos seus votos nesta faixa etária. Pelo contrário, a Iniciativa Liberal, o PAN e o Livre tinham cerca de 50% dos seus votantes situados entre estes limites de idade (dados de estudo de Pedro Magalhães e João Cancela, com base nos dados então recolhidos pela Pitagórica à boca das urnas).
Estes são os eleitores que nasceram a partir de 1988, que terão criado alguma consciência cívica entre o ano 2000 e a segunda década do século XXI, já longe dos debates ideológicos e das opções vincadas e clássicas do pós-25 de abril, que viveram dois terços deste tempo sob governos do PS, e que, pelos vistos, se sentem muito mais atraídos por novidades e por causas reais ou ficcionadas em novos formatos, desde logo veiculadas por ferramentas tecnológicas, mesmo que sem, necessariamente, consciência clara disso.
Mais recentemente, o mesmo cenário é antecipado, sendo o Partido Socialista de algum modo penalizado entre os eleitores mais jovens – aqueles que, contudo, também são os que mais se abstêm. O eleitor médio do PS será mais velho, com menos instrução e menos rendimentos, do que por exemplo os eleitores da direita. Mas, se isso também representa alguma possibilidade adicional de ganhar, com base nesse seu território natural de eleitores que efetivamente vão votar, não deixa de ser um drama, nomeadamente a médio prazo.
Os partidos de poder, PS e PSD, atrasaram-se e perderam caminho e capacidade de comunicação com os mais novos, provavelmente encandeados pelo lastro histórico das suas juventudes partidárias, cujo sentido e forma hoje é muito discutível, e pela incapacidade de reconhecer e aplicar novas ferramentas de difusão da sua mensagem. Será interessante ver também o resultado, nestas faixas etárias, de um PS com uma liderança substancialmente mais jovem do que a anterior e que fez grande parte da sua vida pública associado à juventude do partido.
Claro que o exercício do poder exige alguma contenção institucional e não se pode confundir com a disseminação de fake news eventualmente atrativas ou piadolas e trejeitos gravados de forma provocatória dentro do parlamento, como faz o Chega. PS e PSD sabem isso. O problema é, principalmente, a vulnerabilidade dos mais novos em relação a formatos e sucessos transitórios de comunicação em detrimento de conteúdos e da consciência do que é a decisão pública, essa coisa incompreensível, aborrecida, lenta.
Há vários anos, dentro do contexto do Partido Socialista, bem como no meu mais recente livro, Futuro e Lobisomens Uma proposta de trabalho para Portugal: melhorar a democracia, aumentar a decência do Estado, viver em liberdade, propus o desenvolvimento entre nós daquilo a que nos Estados Unidos se designa como civic gaming, o uso de tecnologia aparentemente também de entretenimento para criar uma consciência mais alargada de decisão política e sobre causas e desafios comuns. Estudos existem, se necessário fosse, que demonstram que adolescentes que já interagiram com este tipo de jogo simulado estão efetivamente muito mais despertos e capazes de reconhecer deveres e alternativas políticas na comunidade do que aqueles que nunca o fizeram. E até a escola pode ser um bom espaço para isso, porque não? Claro que é mais exigente do que apenas fazer piadinhas no TikTok – mas, se não for para preparar eleitores conscientes no futuro, para que serve dizer-se, nos 50 anos do 25 de Abril, que se preza muito a democracia?
Os partidos de poder, PS e PSD, atrasaram-se e perderam caminho e capacidade de comunicação com os mais novos.