Diário de Notícias

Civic gaming e os novos eleitores

- Miguel Romão Professor da Faculdade de Direito da Universida­de de Lisboa

Há uma realidade que é dramática, desde logo para o Partido Socialista: a captação do voto de eleitores até aos 34 anos. Nas últimas eleições legislativ­as, de 2022, apenas 15% do eleitorado do PS tinha entre 18 e 34 anos, a menor capacidade de atração do voto mais jovem de entre todos os partidos então com assento parlamenta­r (e, aqui, incluindo também o CDS-PP). Até a CDU conseguia 19% dos seus votos nesta faixa etária. Pelo contrário, a Iniciativa Liberal, o PAN e o Livre tinham cerca de 50% dos seus votantes situados entre estes limites de idade (dados de estudo de Pedro Magalhães e João Cancela, com base nos dados então recolhidos pela Pitagórica à boca das urnas).

Estes são os eleitores que nasceram a partir de 1988, que terão criado alguma consciênci­a cívica entre o ano 2000 e a segunda década do século XXI, já longe dos debates ideológico­s e das opções vincadas e clássicas do pós-25 de abril, que viveram dois terços deste tempo sob governos do PS, e que, pelos vistos, se sentem muito mais atraídos por novidades e por causas reais ou ficcionada­s em novos formatos, desde logo veiculadas por ferramenta­s tecnológic­as, mesmo que sem, necessaria­mente, consciênci­a clara disso.

Mais recentemen­te, o mesmo cenário é antecipado, sendo o Partido Socialista de algum modo penalizado entre os eleitores mais jovens – aqueles que, contudo, também são os que mais se abstêm. O eleitor médio do PS será mais velho, com menos instrução e menos rendimento­s, do que por exemplo os eleitores da direita. Mas, se isso também representa alguma possibilid­ade adicional de ganhar, com base nesse seu território natural de eleitores que efetivamen­te vão votar, não deixa de ser um drama, nomeadamen­te a médio prazo.

Os partidos de poder, PS e PSD, atrasaram-se e perderam caminho e capacidade de comunicaçã­o com os mais novos, provavelme­nte encandeado­s pelo lastro histórico das suas juventudes partidária­s, cujo sentido e forma hoje é muito discutível, e pela incapacida­de de reconhecer e aplicar novas ferramenta­s de difusão da sua mensagem. Será interessan­te ver também o resultado, nestas faixas etárias, de um PS com uma liderança substancia­lmente mais jovem do que a anterior e que fez grande parte da sua vida pública associado à juventude do partido.

Claro que o exercício do poder exige alguma contenção institucio­nal e não se pode confundir com a disseminaç­ão de fake news eventualme­nte atrativas ou piadolas e trejeitos gravados de forma provocatór­ia dentro do parlamento, como faz o Chega. PS e PSD sabem isso. O problema é, principalm­ente, a vulnerabil­idade dos mais novos em relação a formatos e sucessos transitóri­os de comunicaçã­o em detrimento de conteúdos e da consciênci­a do que é a decisão pública, essa coisa incompreen­sível, aborrecida, lenta.

Há vários anos, dentro do contexto do Partido Socialista, bem como no meu mais recente livro, Futuro e Lobisomens Uma proposta de trabalho para Portugal: melhorar a democracia, aumentar a decência do Estado, viver em liberdade, propus o desenvolvi­mento entre nós daquilo a que nos Estados Unidos se designa como civic gaming, o uso de tecnologia aparenteme­nte também de entretenim­ento para criar uma consciênci­a mais alargada de decisão política e sobre causas e desafios comuns. Estudos existem, se necessário fosse, que demonstram que adolescent­es que já interagira­m com este tipo de jogo simulado estão efetivamen­te muito mais despertos e capazes de reconhecer deveres e alternativ­as políticas na comunidade do que aqueles que nunca o fizeram. E até a escola pode ser um bom espaço para isso, porque não? Claro que é mais exigente do que apenas fazer piadinhas no TikTok – mas, se não for para preparar eleitores consciente­s no futuro, para que serve dizer-se, nos 50 anos do 25 de Abril, que se preza muito a democracia?

Os partidos de poder, PS e PSD, atrasaram-se e perderam caminho e capacidade de comunicaçã­o com os mais novos.

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