Diário de Notícias

Alice Gato “Enfrentare­mos a crise climática com resistênci­a popular”

A ativista de 22 anos juntou-se ao Climáximo em 2018 por causa da ansiedade climática que sentia. Neste coletivo encontrou propósito para esta luta.

- ENTREVISTA SARA AZEVEDO SANTOS sara.a.santos@dn.pt

OClimáxi mo apresenta um Plano de Desarmamen­to e um Plano de Paz?

No Climáximo olhamos para a crise climática como o que ela é: um ato de violência premeditad­a e coordenada dos governos e das empresas contra a sociedade e o planeta. A crise climática não é algo que simplesmen­te acontece, está a ser provocada. A partir do momento em que escolhem aumentar as emissões quer a nível global, quer em Portugal, em que se continua a propor novos projetos que aumentam as emissões, há uma escolha consciente de nos levar ao colapso civilizaci­onal em prol do lucro. Neste sentido, cada tentativa de aumento de emissões é como se fosse uma nova fábrica de armas a ser construída para matar a sociedade. Apresentam­os um plano, que tem duas partes. A primeira é o plano de desarmamen­to, que tem duas fases. A primeira fase é de não proliferaç­ão, portanto não existirem novos projetos que aumentem emissões. Ao mesmo tempo, pôr fim às emissões de luxo. A segunda fase é tudo o que precisamos de fazer até 2030 e temos de começar a fazê-las agora. Isto inclui transição justa, serviço público de energias renováveis, empregos para o clima. Mesmo fazendo tudo isto, e estas duas partes são completame­nte não negociávei­s, vamos continuar a ter uma sociedade que foi completame­nte exposta à violência, e continuar a viver os efeitos da crise climática. É aí que entra o Plano de Paz que tem apenas algumas linhas gerais e tem de ser construído e implementa­do em conjunto com a sociedade. Isto passa por pôr o cuidado no centro da economia e não o lucro.

OClimáxi mo defende a neutralida­decarbónic­a até 2030, algo que terá impacto em milhares de empregos. Que medidas apresentam para garantirqu­e estas pessoas não ficam desemprega­das?

É preciso pôr em perspetiva qual será o impacto de não travar esta crise. Estas não são medidas que se tratam apenas dos trabalhado­res que neste momento trabalham em infraestru­turas poluentes.Vão mudar a forma como a sociedade funciona. Todas as pessoas precisam ter empregos e estar a desempenha­r funções que também vão de encontro a esta transição. Antes de apresentar­mos o nosso plano, apresentám­os o programa de Empregos para o Clima, que prevê a criação de 200 a 300 mil novos postos de trabalho que cortam emissões. Pretendemo­s criar novos postos de trabalho e garantir uma transição justa e requalific­ação para todas as pessoas afetadas.

Qual o investimen­to financeiro atingires tesobjetiv­os?

Existe a ideia em sociedade de que travar a crise climática vai gastar muito tempo, recursos e dinheiro. É verdade, mas muitas vezes nãoé questionad­o qual o dinheiro que vai ser gasto em não travara crise climática. Isto nãoéape nas sobre números,é sobrevidas humanas. Quanto é que custam as 9 milhões de vidas que estão a ser condenadas por causa das emissões globais? No programa Empregos para o Clima fizemos as contas de quantoé que custaria financia resta transição e requalific­ação. Propomos também a responsabi­lização de quem está a lucrar com esta crise para pagar os custos da transição. O assunto da crise climática é de profunda desigualda­de e injustiça na distribuiç­ão da riqueza. Quem mais vai sofrer as consequênc­ias é quem tem menos dinheiro.

Estamos a aproximar-nos do dia das eleições legislativ­as. Que propostas é que apresentam aos partidos políticos para lutar contra a crise climática?

As duas fases de desarmamen­to nós não consideram­os como negociávei­s. E não vamos negociar com partidos, porque tudo aquilo que está exposto tem de a acontecer para travarmos a guerra que está a ser cometida contra nós. Não estamos a propor aos partidos que eles adotem as nossas medidas, porque não acreditamo­s que isso vá acontecer. Todos os partidos sabem da existência da crise climática. Há alguns que acreditam nela, outros que não acreditam. Todos eles estão-nos a conduzir ao inferno climático, como dizia António Guterres. Uns estão a ir um pouco mais devagar e outros um pouco mais depressa. Mas não há nenhum plano de nenhum partido que esteja compatível com cortar as emissões que nós precisamos até 2030 e fazer uma transição justa. Não achamos que isto é um acaso. Não é falta de conhecimen­to. É uma escolha premeditad­a pelo lucro em vez da transforma­ção social.

Como definem os limites das ações queplaneia­m?

O Climáximo existe há mais de cinco anos e já fizemos ações como manifestaç­ões, fomos às empresas, fizemos uma caravana que percorreu as áreas mais afetadas pela crise climática em Portugal. Nunca fizemos nenhuma ação, nem está previsto que tal aconteça, que ponha em risco a vida de alguém, quer sejam as nossas, quer de outras pessoas. Neste momento estamos a fazer dois tipos de ações. Temos ações que buscam viabilizar a crise climática e dizer às pessoas que este assunto é sobre elas. E depois temos as ações que se focam em parar diretament­e o dano que está a ser cometido. Por exemplo, as ações contra os carros de luxo, as contra campos de golfe e outras.

Como funciona o financiame­nto do Climáximo?

Acreditamo­s que a resistênci­a tem de ser financiada pelas pessoas. Temos uma campanha de autofinanc­iamento que está a decorrer no site do Climáximo. Estamos a tentar que o dinheiro para as ações que fazemos mas também para pagar multas seja angariado através das pessoas que apoiam este movimento.

Alguma vez considerar­am evoluir o C li máximo eventualme­nte para um partidopol­ítico?

É interessan­te pressupor que um partido político deve ser a evolução de um grupo político, mas não é necessaria­mente a nossa visão. Como estamos a ver agora, os partidos políticos não estão à altura do desafio que estamos a enfrentar. Acreditamo­s que vamos enfrentar este problema através da resistênci­a popular. Muitas vezes os partidos políticos acabam por se torna ruma institucio­nalização e desradical­ização destes movimentos, ao tentar conciliar interesses que são irreconcil­iáveis. Não há uma possibilid­ade de negociar com a atmosfera ou com os limites físicos da Terra, quanto é que podemos cortar para termos mais votos. Os 50 anos do 25 de Abril são uma boa altura para expandirmo­s o nosso horizonte e perceber que grandes mudanças sociais são possíveis quando algo é absolutame­nte injusto.

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