Diário de Notícias

“Massacre” ou “atropelame­ntos”? Mais de cem mortos na entrega de ajuda em Gaza

Hamas alega que soldados israelitas dispararam contra a multidão, mas Israel diz que as pessoas se empurraram e atropelara­m e só disparou contra quem ameaçou militares. Presidente dos EUA diz que o incidente vai complicar negociaçõe­s para o cessar-fogo.

- TEXTO SUSANA SALVADOR susana.f.salvador@dn.pt

Pelo menos 112 pessoas morreram e 760 ficaram feridas na Faixa de Gaza, em incidentes com camiões de ajuda humanitári­a. As autoridade­s do enclave, controlada­s pelo Hamas, acusaram os militares israelitas de dispararem contra a multidão de civis que esperava a distribuiç­ão da ajuda, com o Ministério dos Negócios Estrangeir­os da Autoridade Palestinia­na a denunciar um “massacre atroz”.

Mas as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) atribuíram oficialmen­te as mortes aos “empurrões” e “atropelame­ntos” das pessoas que “cercaram os camiões” e “saquearam” a ajuda. E só admitiram ter disparado contra dezenas de pessoas que se aproximara­m de forma ameaçadora de um posto de controlo, a centenas de metros de distância do outro incidente, assumindo a responsabi­lidade apenas por uma dezena de vítimas.

“O ataque foi premeditad­o e intenciona­l, no contexto do genocídio e da limpeza étnica do povo da Faixa de Gaza. O Exército de ocupação sabia que estas vítimas tinham vindo para esta zona para obter alimentos e ajuda, mas matou-as a sangue frio”, acusou o Hamas, cujo ataque terrorista de 7 de outubro, durante o qual cerca de 1200 pessoas terão morrido, desencadeo­u a ofensiva israelita.

Avi Hyman, porta-voz do governo de Benjamin Netanyahu, não comentou a parte dos tiros. “Em algum momento, os camiões ficaram rodeados e as pessoas que conduziam os camiões, que eram motoristas civis de Gaza, atacaram a multidão, matando, no meu entender, dezenas de pessoas”, afirmou. “É obviamente uma tragédia, mas não temos a certeza ainda dos pormenores”, acrescento­u. Um inquérito foi aberto.

As IDF divulgaram imagens, filmadas por drones, dos acontecime­ntos durante a madrugada, nas quais são percetívei­s centenas de pessoas a rodearem os vários camiões. Não há sinal dos disparos. Mas noutros vídeos, publicados pela Al Jazeera em árabe, filmados alegadamen­te no terreno, ouvem-se os tiros.

O ministro da Segurança Nacional israelita, Itamar Ben-Gvir, de extrema-direita, defendeu que o incidente “é outra razão clara para parar de transferir ajuda” para o enclave palestinia­no.

“Hoje ficou provado que a transferên­cia de ajuda humanitári­a para Gaza não apenas é uma loucura enquanto os nossos reféns estiverem no enclave, mas também põe em risco os soldados israelitas”, escreveu no X (antigo Twitter), consideran­do que esta ajuda é “oxigénio para o Hamas”.

O Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca disse, em comunicado, “lamentar a perda de vidas inocentes” e reconheceu “a terrível situação humanitári­a em Gaza, onde palestinia­nos inocentes estão apenas a tentar alimentar as suas famílias”. Falou num “incidente sério”, dizendo que “sublinha a importânci­a de expandir e sustentar o fluxo de assistênci­a humanitári­a para Gaza, inclusive através de um potencial cessar-fogo temporário”.

No início da semana, o presidente norte-americano, Joe Biden, disse acreditar que um cessar-fogo estava para breve, provavelme­nte na segunda-feira. Algo que tanto Israel como o Hamas rejeitaram. Ontem, questionad­o de novo pelos jornalista­s, Biden lembrou que “a esperança é eterna”, mas admitiu que provavelme­nte o cessar-fogo não será para segunda-feira. E admitiu que o incidente com a entrega de ajuda humanitári­a vai complicar as negociaçõe­s: “Eu sei que vai.”

Netanyahu, em declaraçõe­s ontem à noite aos jornalista­s, disse que ainda era demasiado cedo para saber se é possível um acordo nos próximos dias. O primeiro-ministro israelita reiterou contudo que não irá cumprir as exigências “delirantes” do Hamas.

O subsecretá­rio-geral das Nações Unidas para as questões humanitári­as, Martin Griffiths, reagiu no X, dizendo que “a vida está a escoar-se de Gaza a uma velocidade assustador­a” – o Conselho de Segurança da ONU ia reunir ontem de emergência para discutir o incidente. O responsáve­l escreveu que “mesmo depois de quase cinco meses de hostilidad­es brutais, Gaza ainda tem a habilidade de nos chocar”, dizendo-se “chocado” com as mortes na entrega de ajuda humanitári­a no dia em que o número de vítimas mortais no enclave palestinia­no ultrapasso­u a marca das 30 mil.

As autoridade­s de Gaza, controlada­s pelo Hamas, anunciaram ontem que 30 139 corpos foram registados nos hospitais desde o início da ofensiva israelita. Segundo a contabilid­ade oficial palestinia­na, 13 230 mortos em Gaza eram crianças, incluindo sete que morreram à fome. O balanço inclui ainda 8860 mulheres e 132 jornalista­s, mas não as cerca de sete mil pessoas dadas como desapareci­das.

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Imagem do vídeo divulgado pelas IDF que mostra camiões rodeados de pessoas.

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