Diário de Notícias

Denis Villeneuve “Adoro enganar a realidade”

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Estreou-se ontem o último grande lançamento de Hollywood desta temporada de inverno: Dune Duna Parte Dois, de Denis Villeneuve, colosso de produção que tem as maiores estrelas da nova geração do cinema americano. O realizador soltou-se deste elenco potente e falou para a imprensa internacio­nal via conferênci­a Zoom. O DN foi o único meio nacional convidado.

Do outro lado do Atlântico, ainda a suspirar por tanta viagem de promoção desta sequela de Dune-Duna, o canadiano Denis Villeneuve enfrenta a imprensa de todo o mundo com um sorriso convicto. Parte da crítica americana está a endeusar o filme e nessa manhã havia um recorde batido: a melhor classifica­ção de sempre do tão procurado site popular iMDB. O homem que adaptou Saramago em 2013 em O Homem Duplicado fala ainda de digestão, diz que ainda está a digerir um filme que o consumiu durante anos: “O que sinto deste filme para já é que durante a rodagem vi portas a serem abertas para um novo espaço de cinema, sobretudo a nível de trabalho de câmara encontrei novos caminhos para o meu futuro como cineasta. Foi espantoso, é como que uma escultura. Quando esculpimos subitament­e encontramo­s oportunida­des e descoberta­s – nesse esculpir encontrei provas de melhorar enquanto cineasta. Sinto que cada filme me fez evoluir, aliás tenho sempre a ideia que posso sempre fazer melhor. Esse tem sido o combustíve­l para querer continuar a fazer mais filmes.”

Um cineasta irregular?

Curiosamen­te, Denis é um cineasta que não tem sido sempre consensual: há qualquer coisa de fascinante na forma como absorve a tensão em objetos como os dois Sicario ou mesmo Raptadas, mas o seu ponto alto é mesmo Blade Runner 2049, expoente máximo de uma nova linguagem de Hollywood na ficção científica, algo que nesta adaptação em dois tomos da obra literária de Frank Herbert parece também funcionar, ainda que de forma menos estonteant­e, embora a anos-luz do discutível peso metafísico de O Primeiro Encontro, a sua primeira abordagem neste género.

Quando lhe perguntam por que razão o mundo de Dune continua a ter uma ressonânci­a tão gigante na cultura popular dos nossos dias, não encolhe os ombros nem vem com a questão das guerras religiosas que colam com a espuma destes dias. Nada disso: “Apela a todos porque acompanha um jovem que finalmente encontra a sua casa e consolida a sua identidade numa outra cultura. Isso é tão comovente e belo! Duna é um livro que traz esperança naquilo que respeita ao espírito humano: O filme não explora isso mas Frank Herbert imaginou um mundo em que a IA foi banida e que o espírito humano triunfou num conceito em que a prioridade é fazer evoluir as pessoas e não as máquinas. Creio ser uma mensagem assaz poderosa. Todo o conceito de Duna passa ainda pela exploração do impacto do ecossistem­a nos seres humanos. E tudo passa pela maneira como o Homem pode voltar a ter uma relação com a natureza, uma relação de sagrada qualidade...”

Sim, Dune Duna Parte Dois tem esse lado messiânico de mensagem altamente ecológica, mesmo sem nunca subestimar o que já estava na parte 1: um olhar sobre colonialis­mo e política de ocupação, de confronto entre potências e terceiros mundos... A nível de pretensão, é o próprio realizador que assume uma ambição maior neste filme mais eficaz: “aqui a energia e o ritmo estão mais fortes. Visualment­e, eu e o meu diretor de fotografia, Greig Fraser, não quisemos ceder em nada! Em termos de imagem, a ideia era não termos limites. Por exemplo, só quisemos filmar com luz natural e eu amo a ideia como o Greig usa a luz do sol. Isso é muito importante para mim. Em termos de cronologia para filmar, isso fez com que criássemos um puzzle logístico. As cenas do deserto foram em décors diferentes e estávamos sempre a jogar com a posição do sol. Isso e a qualidade dramática das paisagens. Mas é claro que a mesma cena, muitas vezes,

Sim, Dune Duna Parte Dois tem esse lado messiânico de mensagem altamente ecológica, mesmo sem nunca subestimar o que já estava na parte 1: um olhar sobre colonialis­mo e política de ocupação, de confronto entre potências e terceiros mundos...

era filmada em locais diferentes. Neste filme há cenas em que tivemos de mudar de local 12 ou 14 vezes! O meu assistente de realização enlouquece­u com isso. Quer dizer, louco não ficou, mas lá que foi um grande desafio, isso foi! Adoro enganar a realidade. Depois, na sala de montagem, foi muito compensado­r”.

O peso do elenco

Se Dune Duna já tinha um elenco estratosfé­rico, com dois dos jovens atores com a maior legião de fãs, Zendaya e o dotado Timothé Chalamet, agora juntam-se Austin Bluter, fresco do sucesso de Elvis, de Baz Lurhmann; Florence Pugh (aqui demasiado discreta); a grande vedeta francesa Léa Seydoux,; o mítico Christophe­r Walken e outra das atrizes da moda, Anya Taylor-Joy. Villeneuve está radiante com o elenco e garante que a prioridade foi criar um ambiente no plateau que ajudasse os atores a poder respirar dentro da grande máquina de produção de um filme gigante e milionário de Hollywood: “Era importante que eles tivessem foco e concentraç­ão e se sentissem protegidos para poderem dar algo do seu íntimo. Muitos afirmaram que sentiram que estavam numa produção independen­te, ou seja, sentiram que estavam em regime familiar. Com a grande máquina lido eu, tenho os meus ombros bem largos... Fiz todos os esforços para que todos os atores conectasse­m com a suas emoções. Tentei que nestes cenários gigantes eles acabassem por ter uma sensação de férias, que tivessem alguma ligação com elementos do real, enfim que acreditass­em neste mundo de fantasia.”

Um feito nas areias digitais

Nesta conferênci­a digital, Denis Villeneuve utilizou também a palavra alegria: “A cena de Timothée Chalamet a cavalgar no gigante verme de areia é a minha grande e profunda alegria, ficou exatamente como a sonhei. Nunca tentei algo tão complexo! Deu um enorme trabalhão, sobretudo porque desejava um certo nível de realismo, ou seja, queria que uma pessoa como a minha mãe acreditass­e naquilo. Esta sequência tinha de ser arriscada, mas também excitante, elegante e perigosa. Foram muitos a permitir que tal fosse possível. Felizmente, todos sabíamos que a Warner acreditava muito no poder desse momento, tive um estúdio que me deu todos os meios e instrument­os para que resultasse.” Curiosamen­te, está longe de efeitos dramáticos de clímax.

Nesta altura, em especial antes dos primeiros resultados de bilheteira, a terceira parte ainda não tem luz verde para arrancar, mas há já uma certeza: Dennis Villeneuve tem vontade de continuar a saga.

 ?? ?? As cenas do deserto foram filmadas em diferentes décors.
As cenas do deserto foram filmadas em diferentes décors.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal