Diário de Notícias

Afinal, há vida no planeta Arrakis

Eis um daqueles casos raros em que a sequela é melhor que o original: Dune – Parte Dois traz a injeção de energia que faltava ao primeiro filme. Uma aventura como deve ser.

- TEXTO INÊS N. LOURENÇO

Numa cena do segundo tomo de Dune, a personagem de Javier Bardem, Stilgar, diz ao jovem Paul Atreides de Timothée Chalamet: “Sê simples. Sê direto”. Na sua qualidade de veterano, está a dar dicas ao rapaz sobre a abordagem ao verme de areia, essa criatura gigante que ele irá montar dali a pouco, pela primeira vez. Quer prevenir qualquer impulso de extravagân­cia ou desejo juvenil de “impression­ar” a audiência. Atreides aceita o conselho, e o resultado é bonito: em cima do verme, o seu corpo esguio cavalga a vastidão da areia com uma graciosida­de veloz, perfeitame­nte horizontal, sem malabarism­os desnecessá­rios e com uma noção plena do que significa a palavra aventura.

Longe da expressão pesada e carrancuda do primeiro filme, este momento cinematogr­áfico é talvez a marca da aprendizag­em do próprio Denis Villeneuve: tal como Paul Atreides beneficia em ser simples e direto, também o realizador canadiano percebeu que o excesso de solenidade do design de produção não pode competir com a alegria de uma boa cavalgada. O problema do filme anterior era mesmo essa imponência oca, uma sensação de que todo o aparato de ficção científica não passava de um espetáculo sem vida, bombeado de forma mecânica pela banda sonora de Hans Zimmer. Ora o que esta sequela traz ao quadro mortiço é uma pincelada vibrante, uma consciênci­a justa de que a aventura está na base do romance homónimo de Frank Herbert e é preciso deixá-la respirar.

O segundo capítulo de Duna acompanha então a jornada pessoal do “messias” Paul Atreides, até à liderança dos fremen – os nativos do planeta Arrakis –, enquanto este se debate com as questões do coração e a ameaça da Casa Harkonnen, que intensific­ou os ataques aos guerrilhei­ros do deserto. Há política, misticismo, conspiraçã­o e muita tecnologia espetacula­r pelo meio, mas o que vinga na visão apurada de Villeneuve é a substância enérgica, uma nova camada de vigor que sublinha a experiênci­a musculada, ao mesmo tempo que se valorizam os momentos de silêncio e calmaria, e se deixam entrar vestígios de humor: no primeiro Dune não tínhamos material para reagir com um pequeno esgar que fosse. Por tudo isto, é normal que venha à memória Star Wars e um rol de referência­s, mais ou menos clássicas... Seja como for, todas as comparaçõe­s que se possam fazer empalidece­m perante a evidência maior de que esta sequela conseguiu levantar a moral de uma obra que não tinha libertado o ar dos pulmões à nascença.

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Há também coração (partido) em Dune.

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