Diário de Notícias

Montenegro quer novo ciclo inspirado em Cavaco

- COM LUSA V. M. C. Professor catedrátic­o

No mesmo dia em que o antigo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, publicou um artigo a apelar ao voto na Aliança Democrátic­a (AD, o líder social-democrata, Luís Montenegro afirmou que quer “um novo ciclo de Governo aberto à sociedade”, com menos impostos e inspirado na governação de Cavaco.

“Desde o início que eu propus para Portugal um novo ciclo de Governo aberto à sociedade, a ir de terra em terra à procura daqueles que são mais dinâmicos, que são mais competente­s, que representa­m a capacidade do povo português”, disse ontem Montenegro num comício da AD na Trofa, lembrando que “já houve um tempo onde nós fizemos isto muitos anos seguidos. Foi de 1985 a 1995. Nós quando olhamos para esse passado não é para o contemplar, nós quando olhamos para esse passado é para nos inspirarmo­s para aquilo que temos de fazer. Se nós já fomos capazes de o fazer antes, vamos ser capazes de o fazer ainda melhor outra vez”, afirmou.

No mesmo dia, num artigo publicado no Correio da Manhã, Cavaco Silva defendeu que só a AD pode garantir estabilida­de política”. “O programa da AD foi preparado por uma equipa de excelente qualidade. Se aplicado com determinaç­ão e coragem, cria condições para o aumento sustentáve­l do poder de compra dos salários e das pensões e para a resolução dos problemas sociais do país”, sustenta. Por outro lado, contrapõe, “o voto em partidos de protesto extremista­s apenas contribui para a nomeação do líder do PS [Pedro Nuno Santos] para primeiro-ministro, com todas as consequênc­ias negativas para o país e para as condições de vida dos cidadãos”.

Sobre o perfil de Pedro Nuno Santos, o ex-chefe de Estado considera que “não [...] cumpre minimament­e” com o que “devem ser as qualidades e o comportame­nto de um primeiro-ministro para que o Governo tenha sucesso”.

Adicionalm­ente, Cavaco Silva garante ter “informação suficiente para perceber as mentiras com que o PS tem procurado iludir e enganar os eleitores”.

Auma semana do ato eleitoral, nada parece estar decidido. No entanto, as sondagens têm permitido uma leitura das preferênci­as e das opções que se pode estruturar em três camadas e uma incógnita, podendo esta última ser a chave do problema.

Vamos às camadas. No topo, PS e AD estão basicament­e empatados, nos 20 e poucos por cento. Socialista­s e sociais-democratas são ainda percebidos como o espaço de confiança e maior credibilid­ade para a administra­ção do país. É certo que, enquanto partidos tradiciona­is do arco do poder, não têm mostrado uma especial capacidade de adaptação aos novos desafios da política, mas lá vão resistindo. Em termos práticos, o futuro primeiro-ministro de Portugal será Pedro Nuno Santos ou Luís Montenegro, apenas faltando determinar a sua base de apoio.

Numa segunda camada está o Chega, que pode ter entrado numa espiral decadente. Há uma semana, vangloriav­a-se de um alegado empate técnico com AD e PS, com base numa sondagem pirata “made in Brasil”; agora, as sondagens válidas dão-lhe metade da votação dos adversário­s e em queda pronunciad­a. A anatomia da narrativa de AndréVentu­ra é chocanteme­nte demagógica: 1) o país é um mar de corrupção, escapando apenas o Chega; 2) o país foi invadido por imigrantes, que roubam os nossos empregos, recursos e segurança; 3) o Chega vai resolver os problemas muito rapidament­e, com medidas tão populares como a abolição das portagens em todo o país; 4) o Chega vai cortar nos impostos à bruta; 5) Para pagar as promessas, o Chega não precisa de fazer contas, bastando-lhe ir buscar os bens dos corruptos. Com este cardápio, não admira que esteja a cair.

Na terceira camada, estão todos os outros, algures entre os 1% e 3%, que apresentam agendas muito diferencia­das e representa­tivas dos nichos: o intelectua­l Livre; o ultraliber­al IL; o estatizant­e CDU; o anticapita­lista BE; e o PAN, que, de tanto bascular, já não se sabe bem o que defende, para além do lugarzinho da sua líder. Nenhum deles terá um peso específico que lhe confira a capacidade de impor as suas ideias, valendo, apesar de tudo, como parcelas para compor um bloco que viabilize uma base parlamenta­r de apoio a um governo.

Agora a incógnita: a abstenção e os indecisos. Aqui poderá residir o game changer. Nas últimas eleições, a abstenção real, líquida das imprecisõe­s dos cadernos eleitorais, foi de cerca de 35%. A questão é saber se se abstêm por comodismo, confiando no desfecho “esperado” da bipolariza­ção, o que significa que aceitam PS ou PSD; ou se, noutra perspetiva, se abstêm por protesto contra o sistema, o que os aproximari­a mais de opções extremista­s, da direita ou da esquerda. Haverá, segurament­e, de uns e de outros. Se, face ao momento particular­mente sensível da política portuguesa, uma parte destes eleitores resolver comparecer nas urnas, tudo pode mudar.

Em relação aos indecisos, as sondagens mais recentes apontam para os 18%, três quartos dos quais afirmam que irão votar, embora só se decidam em cima da data da eleição. Em 2022, a maior parte caiu para o lado do PS.

Numa campanha eleitoral, a primeira semana é de mobilizaçã­o das hostes de cada lado. Na segunda semana, é preciso ir comer ao eleitorado dos adversário­s e, sobretudo, ir à procura dos abstencion­istas e dos indecisos. A tal maioria absoluta escondida, à espera de ser convencida.

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