Diário de Notícias

Uma resposta para os pais. E as crianças?

A psicóloga Rute Agulhas e a educadora de infância Ana Lúcia Fonseca lembram impacto negativo de demasiadas horas passadas em creches. “Passamos a vida a dizer que as creches e infantário­s não podem ser depósitos, mas afinal é isso que estamos a criar”, d

- TEXTO PAULA SOFIA LUZ

Este é um daqueles temas que nos obrigam a pensar com algum cuidado, na medida em que parece ser mais uma resposta para as necessidad­es dos pais do que das crianças”. A posição da psicóloga Rute Agulhas (especializ­ada na terapia com crianças e adolescent­es) está em consonânci­a com grande parte da discussão que envolve o impacto desta nova medida. “Sabemos que muitas profissões exigem horários que se prolongam até tarde e que muitas pessoas não têm uma rede de suporte social informal (avós ou outros familiares) que permita compatibil­izar esses horários com as necessidad­es das crianças. Estes pais, naturalmen­te, são confrontad­os com a impossibil­idade em conciliar o trabalho com a prestação dos cuidados aos filhos. Muitos pais deixam de trabalhar por não ter esse suporte, com todas as consequênc­ias (económicas e não só) que daí advêm. Na prática, apenas quem tem mais dinheiro consegue gerir facilmente esta situação, pagando a uma empregada que permanece em casa com a criança nos períodos de tempo em que os pais estão a trabalhar”. No entanto, as reticência­s levantam-se: “Se pensarmos na criança, rapidament­e compreende­mos que uma creche noturna não é a melhor resposta para as suas necessidad­es. As crianças beneficiam de estar na creche, pela socializaç­ão e por todas as aprendizag­ens que a mesma assegura, mas precisam também de tempo com os pais e outros familiares, na sua casa, no seu espaço. Demasiadas horas seguidas na creche, ou mesmo muitos dias

Rute Agulhas Psicóloga

seguidos, têm impacto negativo no seu bem-estar e na relação de vinculação com os seus pais”, defende Rute Agulhas. É por isso mesmo que as creches com horários mais alargados “ou mesmo a funcionar 24 horas por dia (por exemplo, na TAP) têm de definir alguns limites – sob pena de as crianças quase passarem a viver lá”.

Em suma, a psicóloga considera que as dificuldad­es que esta medida tenta colmatar “seriam melhor abordadas se nos focássemos naquela que é a verdadeira questão – como ajudar os trabalhado­res a melhor conciliare­m a sua vida profission­al e familiar?”. E levanta, a propósito, outras questões. “São os tempos de licença de maternidad­e e paternidad­e adequados e ajustados às necessidad­es das crianças e das famílias? De que apoios precisam as famílias?”.

Também a educadora de infância Ana Lúcia Fonseca tem muitas reservas relativame­nte ao funcioname­nto de uma creche 24 horas por dia. “Passamos a vida a dizer que as creches e infantário­s não podem ser depósitos, mas afinal é isso que estamos a criar”, admite esta profission­al, com mais de 20 anos de experiênci­a na região de Coimbra, em IPSS. “Tenho muitas dúvidas sobre o impacto que terá, para uma criança, ir ‘para a escolinha’ à noite. Ou ao fim de semana. Mas reconheço que, para os pais, sobretudo os que não têm rede familiar, a medida deve soar muito bem. Mais uma vez, nem sempre o mundo ideal dos adultos se cruza com o que deveria ser o apregoado superior interesse da criança”.

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