Uma resposta para os pais. E as crianças?
A psicóloga Rute Agulhas e a educadora de infância Ana Lúcia Fonseca lembram impacto negativo de demasiadas horas passadas em creches. “Passamos a vida a dizer que as creches e infantários não podem ser depósitos, mas afinal é isso que estamos a criar”, d
Este é um daqueles temas que nos obrigam a pensar com algum cuidado, na medida em que parece ser mais uma resposta para as necessidades dos pais do que das crianças”. A posição da psicóloga Rute Agulhas (especializada na terapia com crianças e adolescentes) está em consonância com grande parte da discussão que envolve o impacto desta nova medida. “Sabemos que muitas profissões exigem horários que se prolongam até tarde e que muitas pessoas não têm uma rede de suporte social informal (avós ou outros familiares) que permita compatibilizar esses horários com as necessidades das crianças. Estes pais, naturalmente, são confrontados com a impossibilidade em conciliar o trabalho com a prestação dos cuidados aos filhos. Muitos pais deixam de trabalhar por não ter esse suporte, com todas as consequências (económicas e não só) que daí advêm. Na prática, apenas quem tem mais dinheiro consegue gerir facilmente esta situação, pagando a uma empregada que permanece em casa com a criança nos períodos de tempo em que os pais estão a trabalhar”. No entanto, as reticências levantam-se: “Se pensarmos na criança, rapidamente compreendemos que uma creche noturna não é a melhor resposta para as suas necessidades. As crianças beneficiam de estar na creche, pela socialização e por todas as aprendizagens que a mesma assegura, mas precisam também de tempo com os pais e outros familiares, na sua casa, no seu espaço. Demasiadas horas seguidas na creche, ou mesmo muitos dias
Rute Agulhas Psicóloga
seguidos, têm impacto negativo no seu bem-estar e na relação de vinculação com os seus pais”, defende Rute Agulhas. É por isso mesmo que as creches com horários mais alargados “ou mesmo a funcionar 24 horas por dia (por exemplo, na TAP) têm de definir alguns limites – sob pena de as crianças quase passarem a viver lá”.
Em suma, a psicóloga considera que as dificuldades que esta medida tenta colmatar “seriam melhor abordadas se nos focássemos naquela que é a verdadeira questão – como ajudar os trabalhadores a melhor conciliarem a sua vida profissional e familiar?”. E levanta, a propósito, outras questões. “São os tempos de licença de maternidade e paternidade adequados e ajustados às necessidades das crianças e das famílias? De que apoios precisam as famílias?”.
Também a educadora de infância Ana Lúcia Fonseca tem muitas reservas relativamente ao funcionamento de uma creche 24 horas por dia. “Passamos a vida a dizer que as creches e infantários não podem ser depósitos, mas afinal é isso que estamos a criar”, admite esta profissional, com mais de 20 anos de experiência na região de Coimbra, em IPSS. “Tenho muitas dúvidas sobre o impacto que terá, para uma criança, ir ‘para a escolinha’ à noite. Ou ao fim de semana. Mas reconheço que, para os pais, sobretudo os que não têm rede familiar, a medida deve soar muito bem. Mais uma vez, nem sempre o mundo ideal dos adultos se cruza com o que deveria ser o apregoado superior interesse da criança”.