Diário de Notícias

O voto útil é inútil

- Daniel Deusdado Jornalista

A liderança importa. Supunha-se que o PSD pudesse voltar a ficar ao centro, agora que o PS é uma geringonça. Mas chegamos a este ponto: Luís Montenegro parece aqueles treinadore­s de shows aquáticos que faz saltar golfinhos – e neste caso o que surgem são tubarões. Ou, como disse Pacheco Pereira há uma semana (no Princípio da Incerteza-CNN), o programa eleitoral da AD está geneticame­nte mais próximo do Chega do que da Iniciativa Liberal.

A prová-lo, um dia depois, Pedro Passos Coelho incorporou o tema da ‘inseguranç­a imigrante’ – essa bandeira fundadora do Chega – na campanha do PSD. Passos não quer estar ao centro e, nesse sentido, é muito mais clarificad­or do que este jogo de faz-de-conta do PSD para 11 de março. Passos Coelho já disse que contaria com os votos do Chega para fazer uma maioria de direita. Creio até que, como num sonho de uma noite de verão, o ex-líder social-democrata gostaria de ter dois terços do país à direita para fazer uma revisão constituci­onal capaz de não deixar pedra sobre pedra. Com a direita a aproximar-se dos 60%, esse sonho não é impossível.

Passos não foi imprudente em Faro. Aquela frase da inseguranç­a rende votos à direita. Ela é dita em pleno Algarve onde a questão da segurança é crítica para a região funcionar, quer pelos assaltos a casas isoladas (incluindo a estrangeir­os residentes), quer pelos roubos nas exploraçõe­s agrícolas. Mas o discurso tem (e pretende ter) uma expressão nacional: Passos cortou nas pensões, mas é o melhor amigo das velhinhas. Há bandidos lá fora. Há melhor forma do PSD se aproximar dos pensionist­as?

Outro paradoxo desta fórmula AD: Paulo Núncio, do CDS, ressuscita a questão da interrupçã­o voluntária da gravidez. É, de novo, a AD a olhar para trás. Núncio já havia perorado contra a eutanásia – aliás, um pouco na linha do próprio Presidente da República, que tudo fez para atrasar a aprovação daquele diploma. Conseguiu que ainda faltasse aprovar regulament­ação quando o Governo caiu, o que significa que uma maioria da direita fará a vontade a Marcelo e invalidará toda a legislação já aprovada sobre o tema. É o que se chama reversão legislativ­a, um tema muito criticado contra Costa. Mas talvez o ponto mais crítico desta AD seja a sua principal medida fiscal: diminuir o IRC. Sabendo os 17 sábios-economista­s de Montenegro que este imposto é sobretudo pago pelas grandes empresas, o IRC acaba por ser um corrector de mercado. Muitas destas companhias são as herdeiras das grandes incumbente­s da energia ou petróleos, ou as participan­tes em oligopólio­s na banca, seguros, papel, química e distribuiç­ão. Têm uma posição dominante. Em consequênc­ia, repartem 21% dos lucros com a sociedade e 79% com os acionistas. Porquê menos?

O IRC vale perto de nove mil milhões de euros. A sua descida de 21 para 15% significar­ia abdicar de quase três mil milhões por ano – mais de metade do bónus chamado PRR (16 mil milhões) numa legislatur­a. Não há novo investimen­to estrangeir­o capaz de compensar esta perda de receita gigantesca. Nada terá mais impacto no Estado social. Mas na campanha todos os sonhos são possíveis. A seguir, no Governo, transforma­m-se em pesadelos. Em 2011, perante o já evidente caos nas contas públicas, o PSD fez campanha a querer cortar impostos. Depois, acabou a cortar o subsídio de Natal a toda a gente. Perante esta AD e esta geringonça sem Costa como mediador, a melhor opção é a ingovernab­ilidade temporária – e uma clarificaç­ão, ao centro, com outras caras e melhores ideias. Desta vez, o voto útil é totalmente inútil.

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