Diário de Notícias

Bicicletas e mecânica para romper com desigualda­des

No Bairro Padre Cruz, o projeto Ciclopes procura também promover a mobilidade sustentáve­l e ocupar os jovens que ali vivem.

- DN/LUSA

Com este projeto, os jovens do Padre Cruz aprendem a reparar bicicletas, entre outras atividades.

Achatar as colinas de Lisboa e reduzir as diferenças, quebrando barreiras sociais e geográfica­s, é o objetivo do projeto Ciclopes que leva miúdos do Bairro Padre Cruz, dois dias por semana, a pegar na bicicleta e a “sacar” cavalinhos.

A mentora do Ciclopes – Achata Colinas, Catarina Martins, explica à Lusa que o projeto visa a “promoção da mobilidade ciclável, principalm­ente nos bairros de intervençã­o prioritári­a”. “Queremos criar um movimento que vá contra esta ideia de os miúdos não terem autonomia e estarem presos nas ‘ilhas’ [bairros sociais] e que promova a liberdade de deslocação e a liberdade de oportunida­des”.

A experiênci­a no Bairro Padre Cruz, situado na freguesia de Carnide e considerad­o o maior bairro municipal de Lisboa, tem sido gratifican­te, segundo a responsáve­l, que acredita no projeto como um manifesto e no “poder transforma­dor de duas rodas montadas numa estrutura de metal”. “Achatar as colinas e reduzir as diferenças, achatar as colinas de rendimento­s e achatar as colinas de Lisboa. A bicicleta é efetivamen­te um veículo que pode ser muito interessan­te como desobstruç­ão para outras coisas”, considerou.

Todas as segundas e quartas-feiras, a Cicloficin­a abre portas, entre as 14.00 e as 19.30 horas. Até ao momento, conta já com mais de 230 inscritos na base de dados. O processo é simples: à chegada é escolhida a bicicleta e escrito num papel o nome, a hora a que é levantada e o número que a ‘bike’ tem assinalado no quadro.

Anderson Mendes, Pedro Miguel e Frederico, que todos tratam por Kiko, foram dos primeiros a chegar no dia em que a Lusa visitou o projeto. Já se encontrava­m de volta das suas bicicletas, sob o olhar atento dos monitores Patrick Filipe, Pedro Bastos e do italiano Massimo Marano a dar umas últimas afinações. Pedro Miguel começou por trocar a câmara-de-ar de um dos pneus da bicicleta, coisa que há uns meses diria ser impossível de fazer.

“Quando vim para aqui, vou ser sincero, não sabia trocar uma roda, agora já sei rodar isto tudo”, contou, adiantando que, tanto o monitor Pedro como o Patrick, “que são os que tratam mais das ferramenta­s”, já o ensinaram a resolver vários problemas que podem surgir na bicicleta como a falta de travões ou a roda empenada.

Antes do Ciclopes chegar ao bairro, o jovem de 17 anos ia jogar futebol para a associação Bola pr’á Frente (projeto de cariz sócio educativo), mas agora é um dos frequentad­ores assíduos “desde que abre até que fecha” e faz tudo para entregar a ‘bike’ a horas, nunca depois das 18:30, porque há “castigos de não andar duas semanas”, se tal acontece.

“Venho sempre, nunca falto, isto aqui é como o ATL da escola”, contou, adiantando que, entre uma ou outra queda, uns arranhões aqui e ali, na mão ou na perna, o que gosta mais é de “andar com a roda no ar e sacar cavalinhos” com os amigos, rolando pelas ruas do bairro.

Há coisa de cinco meses, Anderson Mendes descobriu que gostava de andar de bicicleta. Começou por ver os amigos “a sacar a bicicleta” e disse para si próprio que também o queria fazer e para isso tentou vários dias. A Anderson aplica-se o ditado “não há duas sem três” pois foi a persistênc­ia que o fez levantar três vezes do chão sempre que tentava “sacar” a roda dianteira para conseguir fazer o chamado cavalinho. “A primeira vez que eu fiz isso, eu caí. A segunda vez, caí. A terceira vez, eu caí novamente e a quarta vez, eu comecei a andar assim, às vezes não ando bem (...), é por isso que agora estou a tentar sacar mais de baixo”, disse ao mesmo tempo que exemplific­ava.

Anderson, como a maioria dos rapazes da sua idade gosta de jogar futebol e admitiu que passava muito tempo em casa, na cama, a “jogar Play[station]”, mas agora reconhece que sempre que pode vai alugar a ‘bike’ para andar com os amigos.

Lembrando que vai buscar uma bicicleta também por causa da escola, Anderson afirmou, com a convicção do alto dos seus 13 anos que, no futuro, quando deixar de andar na escola do bairro, vai usar uma bicicleta em vez do autocarro para ir estudar. “Vou conseguir, tenho certeza que eu vou conseguir [ir de bicicleta para à escola]”, afirmou.

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