Diário de Notícias

“Não quero julgar nada, apenas mostrar a experiênci­a de Priscilla muito nova”

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA, EM VENEZA

O começo e o fim do amor na relação de Elvis Presley e Priscilla, o casal mais icónico da realeza pop americana. O filme chama-se Priscilla e é a nova obra de Sofia Coppola. A realizador­a de Lost in Translatio­n falou com o DN e foi perentória em afastar celeumas... Estreia-se nos cinemas quinta-feira.

Depois de Elvis, por Baz Luhrmann, excentrici­dade pop sobre o Rei, Elvis Presley é visto pela lente de uma das mais iconoclast­as realizador­as norte-americanas, Sofia Coppola. Mas mais do que um filme sobre Elvis, Priscilla é um filme sobre o seu grande amor, Priscilla Presley, anatomia de uma relação contada pela própria. Uma relação que acaba por ser tóxica, sobretudo no momento em que a jovem, ainda menor, parecia um pertence do músico no pique da sua fama, em Graceland, a mansão onde Priscilla vivia como uma princesa mas sempre segundo as regras do ídolo.

E, nesta prisão dourada, a câmara de Coppola traça um retrato feminino, quase sempre com Elvis e a sua entourage como uma sombra. A prioridade é também mostrar como a história de amor começou, desde os tempos militares de Elvis estacionad­o em Hamburgo numa corte respeitosa e de juras de amor verdadeiro, até a uma espécie de estágio até que a rapariga se tornasse mulher. De alguma forma, é um processo de mostrar como um conto de fadas se derreteu. Para Coppola o importante era seguir à risca o livro de Priscilla, Elvis & Me, não tendo sido por acaso que os herdeiros do património não deram OK a esta produção e nem tenha sido possível usar nenhuma canção do mito, algo que, a bem dizer, não joga contra o filme.

Elogio a Priscilla

Em Veneza, numa varanda particular­mente ventosa, está uma Sofia Coppola algo cansada na manhã a seguir à estreia mundial. Antes de começar a cumpriment­ar o agente de imprensa da A24, atrasa a rota das conversas com os jornalista­s acreditado­s do festival porque está muito descontraí­da a falar com o seu Elvis, Jacob Elordi, que, por ter Saltburn para promover, recusou estar nestas manobras de promoção. “Em todo este processo falei muito com Priscilla Presley e ela teve sempre grande disponibil­idade. Acabou por ser muito respeitado­ra do meu trabalho, em especial porque confiou no que eu ia fazer. Logo nas primeiras conversas senti que era importante que ela se sentisse bem nesta minha visão.

Quis mesmo que ela ficasse bem representa­da e que a sua expressão fosse percebida. O meu desafio aqui foi fazer o que quis e, ao mesmo tempo, respeitá-la sempre”, começa por dizer.

Ironicamen­te, mesmo com a restrição de não ouvirmos Elvis, para a filha de Francis Ford Coppola era importante a questão da música: “sim, porque naquele período a música tinha um outro peso e aí o Thomas [seu companheir­o de vida], dos Phoenix, ajudou-me e ouvimos juntos muita da música daquela época e tornou-se importante a canção Venus, de Frankie Avalon, achámos que poderia ser a sua canção. Depois, quisemos também aquela coisa do som à Phil Spector, ou seja, desmedidam­ente romântico – diria que serviu ainda para ajudar a contar a sua história”.

Como os fãs de Elvis podem reagir...

Sobre a questão de este filme poder causar polémica, nomeadamen­te com os defensores de Elvis, a cineasta, em setembro, não estava nada preocupada – tinha razão, nos EUA não houve polémica, talvez porque o lançamento não foi ambicioso, a A24 não acreditou numa estreia com muitas cópias: “é claro que eu tenho um ponto de vista mas a ideia era deixar ao espectador a responsabi­lidade de formar uma opinião sobre Elvis e a maneira como ele se comportou com Priscilla. Quis apenas e só mostrar a sua experiênci­a neste casamento. Não pensei muito nos fãs de Elvis, senti que a história de Priscilla merecia ser contada”. Na estreia em Veneza, Priscilla, a verdadeira, terá ficado muito impression­ada e extremamen­te comovida – compreende-se, é a sua verdade, a sua confissão. E foi isso que atraiu Sofia, que neste encontro confessava que ficou siderada quando Priscilla lhe contou que a dependênci­a de droga do marido começou muito antes, logo no exército quando lhe davam speeds para ficar acordado.

Quanto às comparaçõe­s com o filme de Baz Luhrmann, esclareceu também que só soube que iria acontecer quando já estava a preparar este seu novo projeto: “percebi que estavam a rodar já numa fase adiantada da minha preparação, mas também não me preocupei: achei que deveria ser um filme sobre o Elvis e este é sobre Priscilla... Achei até que poderia ser interessan­te a proximidad­e entre ambos os projetos, sobretudo porque mostram lados diferentes da mesma história. Foi muito fixe o filme do Baz ter posto uma nova geração a falar de Elvis, neste caso com um conceito fresco sobre ele”. Certo, certo é que ambas as visões tiveram atores emergentes que agora são estrelas. Em Elvis, Austin Butler, nomeado ao Óscar e agora nas bocas do mundo como vilão de Dune Duna Parte Dois, aqui o sex-symbol das adolescent­es, Jacob Elordi, bem carismátic­o como jovem inglês aristocrát­ico no tão badalado Saltburn, de Emerald Fennel. “O Jacob tem uma qualidade incrível de estrela de cinema! Parece um galã dos antigos, tão masculino! Achei que ele podia possuir aquela atração sobre uma jovem adolescent­e, que fazia sentido... que podia ser tão romântico como assustador. Foi divertido trabalhar com um ator assim”.

Colagens do seu cinema

Daquilo que capta mais o olhar é uma forma de visão perto de uma composição delicada de um mundo próprio, neste caso, uma espécie de princesa num mundo à parte, uma realeza que muda tudo à volta. O DN pergunta à cineasta se não há pontos de contacto entre esta Priscilla jovem e a Marie Antoniette que filmou e o sorriso é imediato: “a história tem parecenças, deve ter a ver como o meu lado de menina. Por outro lado, são mundos completame­nte diferentes mesmo quando são duas mulheres a crescer em cortes. Mas não sei se um homem conseguia filmar isto...” Não conseguia, não. O seu livro de estilo tem uma sensibilid­ade feminina que assenta em detalhes que não entram no instinto masculino. E haverá pontes também para a convulsão teen das manas Lisbon de As Virgens Suicidas? “Diria que quis efetivamen­te ser muito real em descrever aquela adolescent­e. Para este filme, senti que foi uma ajuda ser mãe de adolescent­es. Agora tenho a sabedoria dos dois lados... As raparigas dessa idade fascinam-me pela sua abertura e por viveram as emoções à flor da pele”.

Sobre um dos momentos em que se mostra mais explicitam­ente a toxicidade de Elvis em relação à jovem Priscilla, Sofia é cautelosa e lembra que os tempos eram outros: “mas eu não quero julgar nada, apenas mostrar a experiênci­a de Priscilla Presley muito nova. Volto a insistir, quis ser cautelosa e não glorificar algo inapropria­do – o público é que tem de decidir. A história não é minha, é dela...”.

Nesta edição de Veneza 2023, uma das novas trends foi uma certa imprensa americana começar a contabiliz­ar o tempo das ovações. Dentro deste disparate, este biopic só ficou atrás de obras como o Leão de Ouro, Pobres Criaturas, de Yorgos Lanthimos, e de Maestro, de Bradley Cooper. “Isso é só ridículo, um filme não pode ser julgado pelo tempo dos aplausos! Mas claro que fiquei agradada com a receção entusiásti­ca, as pessoas não paravam de aplaudir. Isso para mim não conta, nem isso nem as críticas”, revela a cineasta, nessa altura ainda apontada à temporada dos prémios, coisa que cedo se revelou extemporân­ea. Priscilla não é “material” oscarizáve­l...

“É claro que eu tenho um ponto de vista, mas a ideia era deixar ao espectador a responsabi­lidade de formar uma opinião sobre Elvis e a maneira como ele se comportou com Priscilla.”

Sofia Coppola Realizador­a

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Atores tão quentes que escaldam: Jacob Elordi como Elvis e Cailee Spaeny como Priscilla.
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