Diário de Notícias

Passado ou não Passado?

- Maria Castello Branco Consultora política

Questionad­o sobre o seu ídolo político, Montenegro não escolheu o óbvio (o mito de Sá Carneiro), nem o herói do governo de guerra recente (o sebastiani­smo de Passos Coelho). Quis o politicien-pas-politicien: a figura tutelar é, afinal, Cavaco Silva. Longe de aleatória, a escolha insere-se num claro esforço de recentrame­nto ideológico que o timoneiro da AD tem vindo a travar. E, se a estratégia parece estar a funcionar junto do eleitorado, aumentando a intenção de voto, parece não ser consensual dentro da coligação.

A aparição de Pedro Passos Coelho era inevitável, mas carregava sempre o risco de cristaliza­r a associação de Montenegro ao período da Troika – estratégia que o PS andava a ensaiar há semanas. Montenegro procurou escudar-se na figura de Cavaco. Se Cavaco Silva deu aos pensionist­as o 14.º mês, Passos cortou-lhes o 14.º e o 13.º. Se Passos está associado, no imaginário público, a uma época traumática do país, Cavaco Silva é o primeiro-ministro de um tempo saudoso. Impopular junto do grupo mais importante para Luís Montenegro, Passos Coelho teria de centrar o seu discurso na figura do actual líder, criar o mínimo estrondo possível, e animar as hostes sociais-democratas. Mas decidiu, uma vez mais, contrariar tacitament­e a estratégia de Montenegro.

O discurso de Passos conseguiu três coisas:

1. Pedro Nuno tinha acabado de perder o seu maior trunfo: depois do “não é não”, ficou claro que Luís Montenegro não iria ceder às pressões do Chega. Já não dá para usar a estratégia que deu a maioria absoluta a António Costa. Passos fez com que a AD perdesse a vantagem. A esquerda estava desmobiliz­ada. Claro que o ex-PM iria sempre agitar as águas, mas o tiro final foi dado pela associação populista entre a imigração e a segurança. De repente, a esquerda teve exactament­e o que precisava. E foi-lhes dado por Passos Coelho.

2. Evidenciou uma cisão no seio da AD. Não é segredo que a decisão corajosa de rejeitar quaisquer negociaçõe­s o Chega não é consensual. Passos Coelho deixou um aviso subliminar a Montenegro: “o resultado natural é a vitória da AD. É a coisa mais natural do mundo”. Traduzido por miúdos: “Luís, se não ganhares, é por incompetên­cia”.

3. Forçou a mão de Montenegro, que rapidament­e se viu obrigado a fazer uma promessa que poderá, mais tarde, virar-se contra si. Numa tentativa de salvar o PRPC (processo de reconcilia­ção com os pensionist­as em curso), Montenegro prometeu demitir-se caso tivesse de cortar um cêntimo nas pensões. É uma promessa perigosa – e que teria sido desnecessá­ria não tivesse Passos agitado tanto as águas.

A aparição do D. Sebastião beneficiou todos menos Luís Montenegro: à esquerda tiveram a associação que andavam há semanas a pregar, o PS conseguiu um bocadinho do seu trunfo de volta, os sociais-democratas que discordam da estratégia de recentrame­nto de Montenegro podem voltar a sonhar com um líder mais à direita e que não nega o Chega caso precise de formar governo, e André Ventura teve o seu discurso xenófobo legitimado pela figura preferida da direita. Para Luís Montenegro, fica a dúvida: entre a externa e a interna, qual a campanha mais difícil?

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