Alegada fraude nos votos não tem fundamentação
Pôr em causa o sistema eleitoral é algo sem precedentes nas legislativas em Portugal. Tema foi lançado por Ventura, do Chega. Acabam por seguir também as mesmas práticas dos partidos de extrema-direita internacionais, diz a cientista política Paula do Esp
Lançar um clima de instabilidade quanto ao processo eleitoral, de desconfiança contra as bases democráticas e imitar estratégias da direita radical populista pelo mundo. Estas são algumas das consequências das recentes declarações de André Ventura que lançam dúvidas sobre fiabilidade dos resultados eleitorais em Portugal. A opinião é de especialistas ouvidos pelo DN. A retórica não tem precedentes em outras legislativas de Portugal, mas aparece entre candidatos e apoiantes do Chega, o único partido que até agora fez tal questionamento. “É uma congeminação muito elaborada que não tem fundamento em concreto e que pode desencadear instabilidade no processo eleitoral”, argumenta Paula do Espírito Santo, cientista política e professora.
“É estratégico, está a fazer o mesmo que a direita radical populista fez em outros países, mas não convence ninguém na opinião pública portuguesa e não contribui para uma imagem respeitável”, complementa o politólogo António Costa Pinto.
A tese não é nova dentro do Chega. Com a proximidade do dia decisivo, Ventura também passa a endossar oficialmente a teoria, como os apoiantes já o faziam nas últimas semanas. A ideia era plantada nas redes sociais e grupos do Telegram somente por militantes, apoiantes e outros candidatos do Chega.
Em posts com milhares de visualizações lê-se, por exemplo, que “pessoas vão estar nas mesas de voto” para “anular os votos da AD e do Chega”. Apesar de não existirem provas, o tema causa repercussão. Por outro lado, há quem denuncie que a ideia não faz sentido, uma vez que todos os partidos podem ter delegados nas mesas de voto para conferir a contagem.
A Comissão Nacional das Eleições (CNE) não respondeu ao pedido de comentário do DN até o fecho deste texto. À Lusa, Fernando Anastácio, o porta-voz da CNE, escusou-se a comentar as denúncias feitas por Ventura, mas esclareceu que não existe qualquer investigação ou inquérito sobre essa matéria. “Não tenho nota de qualquer queixa entregue” e “esse assunto não foi apreciado” pela CNE, afirmou. Para o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia, se há indício, é preciso que seja feita uma queixa formal, não apenas um discurso. De acordo com o jurista, a situação pode gerar “uma certa preocupação e alarme”. Bacelar Gouveia diz já ter participado de mesas de voto e “nunca viu nada disto”.
Em Portugal, a discussão é nova, mas não em outros países, como recorda Paula do Espírito Santo. “Acabam por seguir também práticas dos partidos de extrema-direita internacionais particularmente no caso do Brasil e dos EUA, onde também já se colocou em causa a idoneidade e a credibilidade e a veracidade do voto”, realça.
Todos os entrevistados ouvidos pelo DN reforçam que há vários mecanismos para garantir a confiabilidade dos resultados eleitorais. “Não há nenhuma contagem sem que os intervenientes validam cada voto que é retirado ou que é desdobrado”, afirma a cientista política. Existe, ainda, a inspeção das urnas, a necessidade de os resultados baterem certo com o número de recenseados e a presença de delegados de todos os partidos.