A “virtuosa” violinista dominicana com nome árabe que toca para Cristo
A estreia em Portugal, numa apresentação no Palácio Nacional da Ajuda no 180.º aniversário da independência da República Dominicana, marcou o início da nova digressão mundial. O merengue ou a bachata são dois dos ritmos nascidos na República Dominicana, m
Filha de pai paquistanês e mãe dominicana, Aisha Syed Castro recebeu o nome da esposa favorita do profeta Maomé quando nasceu há 34 anos em Santiago. Apesar de ter crescido como muçulmana, converteu-se ao cristianismo quando tinha 15 anos, já depois do divórcio dos pais e de, com apenas 13 anos, se ter tornado na primeira latino-americana a ser aceite na Escola Yehudi Menuhin para prodígios em Londres. Tudo por causa do violino, que começou a tocar aos quatro anos e que hoje, mesmo quando é aplaudida como “virtuosa” nas grandes salas de espetáculo – do Carnegie Hall à Filarmónica de Berlim –, diz tocar para Cristo.
“Cada vez que as crianças e jovens me perguntam: quando tocas não tens medo? Eu digo que não, porque penso que estou a tocar para Cristo e quando temos um propósito muito maior do que nós, as coisas fluem”, disse ao DN na sua passagem por Lisboa, onde se estreou com uma apresentação no Palácio Nacional da Ajuda.
Aisha atuou por ocasião do 180.º aniversário da independência da República Dominicana, no início da sua nova digressão mundial, que vai incluir outros pequenos recitais “com uma atmosfera mais íntima” mas também concertos com orquestras, uma “mistura” que lhe permite “crescer mais como artista”. Porque continua a aprender: “O dia em que deixar de aprender é o dia em que vou deixar de tocar.” E ainda tem o sonho de tocar na sala grande da Filarmónica de Berlim.
O merengue ou a bachata são dois dos ritmos nascidos na República Dominicana, mas foi pela música clássica que Aisha se apaixonou. “A minha mãe é uma pessoa que ama as artes em todos os seus ramos”, contou, explicando que ela pintava e que teve a oportunidade de, quando estudou Direito em França, ter acesso aos museus e exposições. “Quando regressou à República Dominicana, sempre pensou que ia pôr os filhos em aulas de arte, ballet, canto... E assim fez.”
A primeira a beneficiar foi a irmã quatro anos mais velha de Aisha (ela também tem dois irmãos mais novos). “Quando vi aquele pequeno violino em casa, disse à minha mãe, quero tocar violino.” E assim foi. Tinha quatro anos e meses depois já estava a fazer audições para entrar para as orquestras infantis e juvenis do país. Aos 11 anos estreava-se como solista com a Orquestra Sinfónica Nacional Dominicana – foi a mais jovem a fazê-lo. O então professor, o maestro Caonex Peguero, disse então que ela já tinha feito o mais difícil na República Dominicana e que ia ver se podia entrar na Escola Yehudi Menuhin de Londres.
“Foi uma bênção mas, ao mesmo tempo uma grande responsabilidade, porque cheguei a um lugar onde estavam as melhores crianças e jovens da Rússia, da China, da Coreia do Sul... que são muito fortes”, explicou. Ao final de sete anos no internato (onde tinha dois ou três concertos por semana, fora as horas a praticar e ainda seguir os estudos académicos, sendo que inicialmente a mãe estava à distância), teve a oportunidade de estudar no Royal College of Music. Concorreu com mais três mil jovens e conseguiu a única bolsa completa para estudantes internacionais. A sua interpretação de La Campanella, de Niccolò Paganini, valeu-lhe o título de “interpretações milagrosas” por parte da BBC.
Apesar de também compor e de até ter ganho um prémio de composição com apenas 16 anos, Aisha diz que prefere a interpretação. “Prefiro ser o melhor possível numa área do que ter um nível médio em duas”, disse. “Temos muitos compositores talentosos e, como intérprete, uma das coisas mais lindas do meu trabalho é poder levar as obras dos compositores do meu país aos quatro cantos do mundo”, explicou, lembrando-se que num dos concertos no Carnegie Hall levou consigo Rafael Solano, de 93 anos, para tocar algumas obras com ela – Por Amor é uma espécie de segundo hino dominicano. Em Lisboa, estreou uma música nova escrita para si pelo jovem compositor Luis McDougall: Volaste junto al Ave al vacío.
A vida de Aisha passa também pela fundação a que preside. A Music for Life tem uma parte pedagógica, levando grandes maestros e professores britânicos para ensinar as crianças dominicanas, mas também uma parte que passa por levar a música clássica até aos hospitais, orfanatos ou prisões. “O meu coração enche-se muitíssimo, às vezes mais do que com os concertos”, admitiu, mencionando também a família e os dois filhos – a mais velha, de cinco anos, já está à espera do seu pequeno violino.
Aquele que Aisha trouxe para Lisboa não é um Stradivarius, que já tocou, mas um Antonio Pelizon, com 300 anos, não menos impressionante. Ambos propriedade do famoso luthier de Londres, Florian Leonhard, que conheceu aos 14 anos. “Quando tinha 19 ou 20 anos fui convidada para tocar um Stradivarius no programa Closing Bell, da CNBC. Quase nem tive tempo de praticar”, lembrou. “Atrevida”, pediu a Leonhard se podia tocar o violino nos concertos que tinha previsto no Carnegie Hall. E assim foi. “É como se fosses um pintor e te dessem sete cores novas que nunca tinhas visto na vida para pintar. É assim tocar um Stradivarius.”