Diário de Notícias

Quanto vale um ex-líder?

- Filipe Garcia Subdiretor do Diário de Notícias

Adefinição de insanidade é fazer as mesmas coisas à espera de resultados diferentes. É daquelas frases que todos sabemos repetir e a quem poucos sabem atribuir autoria. Albert Einstein é habitualme­nte apontado como um dos suspeitos; Rita Mae Brown, escritora norte-americana nos Anos 70, outra. Para o caso, a autoria é irrelevant­e. A verdade é que, imagine-se o cenário à vontade, a regra é aplicável: como esperar um desfecho diferente se a receita for sempre a mesma? Como podem os mesmos ingredient­es resultar num prato diferente?

Em vésperas de umas eleições legislativ­as em que ninguém prevê vencedores ou, sequer, arrisca escolher qual dos tradiciona­is blocos, a esquerda ou a direita, ocupará mais lugares no hemiciclo, a maior certeza é de que nas ruas se reclama por uma mudança. Aqui chegámos depois de uma Geringonça, a que deu lugar uma maioria absoluta, a qual, por sua vez, acabou na convocatór­ia de eleições antecipada­s. E agora? Teremos nova Geringonça, teremos uma “Barafunda”, como batizou António Costa uma eventual coligação da direita, teremos um cenário de ingovernab­ilidade? Sim, o risco é real: de uma ponta à outra, a vontade de negociar com o Chega é nula, o respeito dedicado ao seu líder pelos adversário­s é ainda inferior e ninguém, no seu perfeito juízo, coloca em causa o porquê. Já se imaginou ao lado de André Ventura numa fotografia com honras de Estado? E a ter de partilhar responsabi­lidades de governação com o líder do Chega? Há gente com quem ninguém se quer sentar à mesa. Há gente cercada por linhas sanitárias que muito poucos discutem. E, mesmo entre esses, quantos acreditam que será o Chega a apresentar uma solução de futuro para o país ou que Ventura será parte de uma solução estável de governação? Poucos, suspeito que nem todos os que lhe prometem o voto acreditam em tal capacidade.

Ainda assim, parece inegável que é por uma mudança de rumo que mais portuguese­s reclamam. E como reagem os partidos de pleno direito, os que apresentam programas e contas, os que alinham os discursos de acordo com as suas ideologias ao invés de soltar soundbites para aproveitar­em a mais recente polémica de internet? Nos últimos dias, enquanto faltam projetos e ideias de futuro para o país, temos assistido a um desfilar de velhas glórias. Na AD apareceu Passos Coelho, o seu antigo secretário de Estado, Paulo Núncio, e Durão Barroso – também já Cavaco Silva tinha dado um ar da sua graça. No PS, de Sócrates não será de esperar aparição, António José Seguro dificilmen­te estará disponível, mas Costa ainda este fim de semana voltou a aparecer, para lembrar o trabalho feito. No PCP vimos Jerónimo de Sousa e no Bloco apareceu Catarina Martins, ambos a pedir convergênc­ia e força para a esquerda. Falta Paulo Portas, desapareci­do desde o lançamento da AD, mas até já Assunção Cristas apareceu entre bandeiras.

Dou por mim a pensar em quanto valerá, nesta altura, um ex-líder partidário. Afinal, foram eles quem, numa ou noutra altura, aqui trouxeram o país. Afinal, eram eles quem comandava o barco enquanto o víamos sem rumo aparente, a ver degradar a Saúde, a Educação, o poder de compra dos portuguese­s e, porque não, até a qualidade da nossa democracia. E não será loucura, da esquerda à direita, voltar a apostar em mais do mesmo? De onde vem a convicção, segurament­e instalada entre as máquinas partidária­s, de que os velhos líderes são trunfos eleitorais?

O que acrescenta­ram à campanha os ex-líderes? Serão, de facto, trunfos para os que lhes herdaram os postos? Serão sinal de que, contrarian­do o senso comum instalado nas redes sociais, afinal nem estamos assim tão mal quanto isso? Que afinal, entre quem vive mais afastado dos telemóveis, se reconhecem melhorias no dia a dia? Talvez, mas arrisco que valem menos do que um hipotético novo líder, de discurso verdadeira­mente renovado, munido de um plano de mudança para um país sem rumo. Posso estar a pedir demasiado, mas o mais grave é mesmo que de figuras dessas nem sinal.

O que acrescenta­ram à campanha os ex-líderes? Serão, de facto, trunfos para os que lhes herdaram os postos? Serão sinal de que, contrarian­do o senso comum instalado nas redes sociais, nem estamos assim tão mal quanto isso?”

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