Moscovo e Berlim digladiam-se devido a escuta sobre mísseis para Kiev
Rússia dramatiza sobre cenário descartado pelo chanceler alemão. Gravação indica que britânicos terão militares no terreno para operar os mísseis Storm Shadow.
As relações entre a Alemanha e a Rússia atingiram um novo ponto baixo depois de Moscovo ter divulgado uma reunião entre altos quadros militares na qual se discutia a hipótese do envio de mísseis – e de militares para manuseá-los. Uma hipótese que já tinha sido rejeitada pelo chanceler Olaf Scholz, mas que foi aproveitada pelo Kremlin para acirrar os ânimos.
O que aconteceu
A diretora da estação russa RT Margarita Simonyan – “figura central” da propaganda russa e alvo de sanções da UE – publicou a gravação de uma reunião de quatro oficiais alemães, incluindo o chefe da força aérea, Ingo Gerhartz. Durante 38 minutos, estes discutem cenários da utilização de mísseis Taurus – um míssil de cruzeiro ar-terra germano-sueco conhecido pela sua precisão e alcance de 500 quilómetros – por parte da Ucrânia antes de uma reunião com o ministro da Defesa Boris Pistorius. Os oficiais concluem que seria possível treinar militares ucranianos para utilizarem os Taurus, mas que isso demoraria meses, pelo que a entrega e rápida utilização dos mísseis só seria possível com a participação de soldados alemães.
Além disso –o que já não seria pouco – Gerhartz fez revelações sobre a assistência britânica, presumivelmente sobre os mísseis Storm Shadow. “Se nos perguntarem sobre os métodos de entrega, eu sei como é que os britânicos fazem isso. Fazem-no totalmente em reachback. Têm várias pessoas no terreno”, afirmou o chefe da Força Aérea. Dizem os manuais militares que o reachback é o processo de obtenção de forças, equipamento, material ou serviços de organizações que não estão destacadas para o teatro de guerra. Outro participante na reunião, ao falar sobre o treino das tropas ucranianas em solo alemão comentou que, ao regressarem à Ucrânia, o “curso de ação correto” seria o Reino Unido “assumir o controlo”. Ao que acrescentou: “Imaginem o alvoroço que seria se os media descobrissem.”
O que diz a Rússia
Depois de na semana passada Putin ter ameaçado a NATO com a opção nuclear caso os aliados enviem soldados para a Ucrânia, o seu vice-presidente do Conselho de Segurança mostrou a costumeira incontinência verbal. “Afinal de contas, os nossos eternos adversários – os alemães – voltaram a transformar-se em inimigos declarados. Vejam com que cuidado e pormenor os fritzes discutem os ataques ao nosso território utilizando mísseis de longo alcance, selecionam os alvos a atingir e as formas mais prováveis de causar o máximo dano à nossa pátria e ao nosso povo”, disse Dmitri Medvedev, não sem concluir com um mote da Segunda Guerra: “Morte aos ocupantes alemães-nazis!”.
Antes, a porta-voz de Sergei Lavrov, Maria Zakharova, aproveitou para dizer que, em oposição à Rússia, na Alemanha há uma divisão no governo e na elite política, e pior, “é a prova direta da falta de democracia”.
A imprensa russa noticiou que o embaixador alemão Alexander Graf Lambsdorff tinha sido convocado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros russo para consultas.
O que diz a Alemanha
O executivo alemão afirmou que a visita do embaixador estava planeada muito antes da publicação do áudio, em resposta a um “convite para discutir assuntos bilaterais”.
Sobre a revelação da gravação, um porta-voz do governo de sociais-democratas, verdes e liberais afirmou: “Este ataque híbrido teve como objetivo gerar insegurança e dividir-nos. E é exatamente isso que não permitiremos. Estamos em contacto constante com os nossos parceiros”.
Quanto ao envio dos mísseis, o chanceler Scholz voltou na segunda-feira a rejeitar o seu envio. Há duas semanas, os deputados alemães aprovaram uma resolução a pedir para o governo enviar mísseis de longo alcance para a Ucrânia, depois de uma resolução semelhante, mas rejeitada, que apelava em específico para a transferência de Taurus.