Diário de Notícias

Fundos russos e um Conselho Europeu de poltrões

- Opinião Jorge Costa Oliveira Consultor financeiro e business developer www.linkedin.com/in/jorgecosta­oliveira

Embora existam boas razões para sustentar a legalidade do confisco de fundos russos [soberanos] congelados, em 2023 os EUA e o Reino Unido recuaram nesse propósito. Em fevereiro de 2023 (!) foi criado na UE um grupo de trabalho para analisar a questão. Ao longo dos meses fomos sabendo que alguns países levantavam objeções: a Áustria (Viena foi durante décadas a capital financeira russa e em fevereiro de 2022 o Sberbank, tinha lá a sede), a Alemanha, a França, a Hungria.

Von der Leyen vem regularmen­te recordando a necessidad­e de se tomar rapidament­e decisões nesse sentido. Mas o tempo vai passando e nada sucede. Na reunião de 14-15 de dezembro de 2023, depois de abundantes consideran­dos, o Conselho Europeu (o órgão máximo da UE composto pelos chefes dos Executivos nacionais) “reiterou ainda o seu apelo a progressos decisivos, em coordenaçã­o com os parceiros, sobre a forma como as receitas extraordin­árias detidas por entidades privadas diretament­e provenient­es dos ativos imobilizad­os da Rússia poderão ser canalizada­s para apoiar a Ucrânia e a sua recuperaçã­o e reconstruç­ão, em conformida­de com as obrigações contratuai­s aplicáveis e em conformida­de com o direito da UE e internacio­nal.” Mas qual “apelo”?!? É ao Conselho Europeu que cumpre tomar estas decisões quanto à UE?! A 12 de fevereiro, o Conselho Europeu lá aprova um regulament­o determinan­do que os depositári­os de valores mobiliário­s registem de forma autónoma os rendimento­s dos fundos russos congelados e afirma, impante, que “esta decisão abre caminho para que o Conselho decida sobre o eventual (!) estabeleci­mento de uma contribuiç­ão financeira para o Orçamento da UE cobrada sobre estes lucros líquidos, a fim de apoiar a Ucrânia e a sua recuperaçã­o e reconstruç­ão numa fase posterior”. “Esta contribuiç­ão financeira pode ser canalizada através do Orçamento da UE para o Mecanismo de Apoio à Ucrânia.” Sendo que no Mecanismo de Apoio à Ucrânia – ao abrigo do qual poderão ser emitidas Obrigações Europeias até 50 mil milhões de euros (mM€) (até 2027!) – não há uma linha sobre a possibilid­ade de esses fundos serem utilizados para armamento, que é o que a Ucrânia necessita agora! Em suma, o que sobeja em juras de solidaried­ade escasseia em ações que permitam à Ucrânia obter rapidament­e armamento. Passados 2 anos desde que a questão foi levantada e um ano da constituiç­ão do bendito grupo de trabalho, não há uma única emissão de Obrigações Europeias para financiar a Ucrânia… e menos ainda uma decisão para utilizar os fundos russos, seja pelo seu confisco, seja pela sua capitaliza­ção ou securitiza­ção, seja por outra via. A ponto de até o conservado­r The Economist, na sua última edição, vir relembrar que é possível utilizar [os rendimento­s] dos fundos soberanos russos como colateral para emissão de eurobonds (no valor mínimo de 114 mM€) e pagar os juros das Obrigações Europeias com os rendimento­s gerados pelos fundos russos, e como fazê-lo, numa espécie de how-to-issue-eurobonds-using-russian-frozen-funds-for-dummies.

É sabido que a liderança russa – inimiga jurada do modo de vida europeu ocidental – não tem respeito senão pela força e pela ação decisiva. Num momento histórico em que a UE necessita de líderes determinad­os e com rasgo, tem um Conselho Europeu de poltrões incapazes de atuar de forma resoluta e decisiva.

É sabido que a liderança russa – inimiga jurada do modo de vida europeu ocidental – não tem respeito senão pela força e pela ação decisiva.”

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