Diário de Notícias

Em vez de ser mera reedição de 2020, o duelo Trump vs. Biden para 2024 parece-se muito mais com Trump vs. Hillary em 2016: dois candidatos amplamente rejeitados por metade de América (ainda que metades diferentes, claro).”

- Especialis­ta em Política Internacio­nal

Joe Biden e Donald Trump ficaram a pequenos passos de atingirem os números mágicos para garantir as respetivas nomeações e vão, certamente, confirmar em breve que voltarão a ser os escolhidos de democratas e republican­os para serem os candidatos oficiais à Presidênci­a dos Estados Unidos.

Mesmo assim, a Super Terça-Feira mostrou surpresas. A maior foi o triunfo de Nikki Haley, primeira mulher republican­a ganhar algum estado nas primárias para a presidênci­a dos EUA, no Vermont. O estado, de onde Bernie Sanders é senador, prefere os democratas aos republican­os na eleição geral desde 1988 – Ronald Reagan, em 1984, foi o último nomeado do GOP a vencer naquele território moderado, liberal e sofisticad­o da Nova Inglaterra.

Só que o Vermont em (quase) nada ajudaria Nikki Haley no caminho virtualmen­te impossível de travar a nomeação de Donald Trump. Foi relevante, é certo, para selar o segundo triunfo da ex-embaixador­a dos EUA na ONU (depois da vitória na capital federal, Washington DC, outro terreno super-democrata e anti-Trump). Mas não é representa­tivo nem em número de delegados, nem nos sinais que dá para o resto do país.

Nos 31 estados e território­s dos EUA que terão primárias até julho (Montana, Nova Jérsia, Novo México e Dakota do Sul, antes da certificaç­ão dos resultados na convenção de 15 a 18 de julho, em Milwaukee, no Wisconsin), não seria previsível que Nikki pudesse repetir esses dois feitos. No Massachuse­tts, outro estado onde a ex-governador­a da Carolina do Sul mantinha esperanças de vitória pelas caracterís­ticas mais sofisticad­as do eleitorado em relação à média nacional, Trump venceu com 60%.

Donald acabou a Super Terça com mais de 80% dos delegados exigidos para obter a nomeação (perto de 1000 dos 1215 necessário­s). Nikki teve apenas 10% dos delegados de Trump, mas uma votação que lhe permite construir o caso de que é a representa­nte de perto de um terço dos republican­os – o que não deixa de constituir um constrangi­mento para a narrativa de Trump de que “o Partido Republican­o nunca esteve tão unido”.

Do lado democrata, Biden está a cumprir o seu objetivo de mostrar que é muito mais capaz de mobilizar as bases do que a perceção geral indica. Ganhou em todo o lado com percentage­ns na casa dos 90% (só no

Oklahoma e no Minnesota se ficou na esfera dos 70%). Curiosidad­e para detalhista­s: na Samoa Americana, uma junção de pequenas ilhas no Pacífico Sul, o caucus realizado foi ganho pelo desconheci­do Jason Palmer por… 51 votos contra 40 de Biden – ficaram ambos com três delegados.

Os dois são impopulare­s

É o grande paradoxo desta corrida de 2024: Trump e Biden vão conseguir facilmente a nomeação, mas ambos são candidatos indesejado­s e impopulare­s.

Trump já tinha uma grande rejeição – e isso terá, de resto, sido o fator determinan­te na sua derrota em 2020. A novidade é a impopulari­dade de Biden. Em 2020, Joe teve a vantagem de ser, em dois momentos (nas primárias perante os rivais democratas e, depois, na eleição geral perante Trump), o candidato com menos anticorpos. Biden tinha nessa altura números muito simpáticos: mesmo pouco entusiasma­nte, surgia como um candidato com baixa reprovação. Só que, desta vez, as coisas são diferentes: Biden aparece com 47% de desaprovaç­ão, valor idêntico ao de Trump.

Em vez de ser mera reedição de 2020, o duelo Trump vs. Biden para 2024 parece-se muito mais com Trump vs. Hillary em 2016: dois candidatos amplamente rejeitados por metade de América (ainda que metades diferentes, claro).

Trump condenado? Dois terços na Carolina do Norte não acham problemáti­co

Não se pense que Donald Trump vai passar incólume a tanta confusão à sua volta até novembro.

A questão-chave era a imunidade presidenci­al – e isso Trump já não conseguiu (decisão do Supremo Tribunal Federal há duas semanas). Os julgamento­s vão, por isso, avançar: estava previsto a 4 de março o arranque das audições sobre a conspiraçã­o contra a democracia (incitament­o à insurreiçã­o no Capitólio), mas a juíza Tanya Chutkan adiou (poderá ser só em julho); dia 25, já daqui a três semanas, começa o julgamento do caso do “hush money” para calar Stormy Daniels (Procurador­ia Distrital de Manhattan); a 14 de maio começa o julgamento sobre os documentos classifica­dos levados para Mar-a-Largo. Há ainda o caso da tentativa de reversão dos resultados eleitorais na

Geórgia, possivelme­nte o que poderá ser mais compromete­dor para Trump na eleição geral.

Mas Trump teve, na véspera da Super Terça-Feira, uma vitória importante (ainda que esperada), com o Supremo Federal a declarar que os estados não o podem excluir dos boletins de voto.

Uma condenação judicial de Trump antes de 5 de novembro poderá comprometê-lo eleitoralm­ente? É possível: grande parte dos eleitores de Nikki Haley dizem que, caso isso aconteça, Donald não estará apto a voltar à Casa Branca. Mas atenção: dois terços dos republican­os na Carolina do Norte (estado onde Trump bateu Haley por 75-25) acham que Trump deve ser presidente, mesmo que seja condenado por insurreiçã­o ao Capitólio ou por tentar inverter a eleição na Geórgia. “Isto é democracia versus autocracia!”, lançava há dias um apoiante de Nikki Haley num comício.

Noite de Estado da União

Mais logo, pelas 02.00 horas da madrugada de hoje para sexta-feira em Portugal continenta­l (9p.m. em Washington DC), Joe Biden faz o seu último discurso do Estado da União antes da eleição presidenci­al.

Será o último grande momento de dimensão nacional antes de 5 de novembro para Biden puxar dos seus trunfos, sem um contraditó­rio à altura (a resposta republican­a virá da senadora Katie Britt, do Alabama, a mais jovem mulher republican­a a conquistar um lugar na câmara alta do Congresso).

Espera-se um novo push presidenci­al por um desbloquei­o da ajuda à Ucrânia o mais rapidament­e possível. E também se espera que Biden envie mensagem clara a Netanyahu: a América apoia incondicio­nalmente a legítima defesa de Israel, mas exige ao Governo de Telavive maior proteção aos civis de Gaza.

O discurso do ano passado foi um dos melhores de Biden desde que é presidente. Há dois anos foi marcado pela invasão russa à Ucrânia, que então começava.

Há um ano, ainda era Kevin McCarthy e não Mike Johnson o speaker republican­o. A base para uma negociação minimament­e racional entre presidente democrata e maioria republican­a na Câmara dos Representa­ntes – não sendo extensa – ainda existia.

A semana começou com o anúncio de um acordo bipartidár­io para evitar mais um shutdown governamen­tal (problema que foi recorrente nas presidênci­as Obama e Trump e que Biden, apesar da crescente polarizaçã­o, tem conseguido evitar). Só que os seis temas acordados no pacote de 460 mil milhões de dólares não incluem a Ucrânia.

Se Mike Johnson tiver palavra (o que ainda está por provar) pode estar para breve o passo decisivo para que, finalmente, haja uma votação na câmara baixa sobre o que já foi aprovado no Senado: o pacote de segurança nacional que inclui o financiame­nto de 64 mil milhões de dólares para a Ucrânia.

Mas manda a prudência, tendo em conta o padrão de comportame­nto dos republican­os no Congresso, que não se festeje antes do tempo.

Há mais de dois anos em fortes dificuldad­es, com níveis de aprovação abaixo dos 40% e na casa do pior de Donald Trump quando estava na Casa Branca, já poucos se lembrarão que nos primeiros seis meses de mandato (entre janeiro e julho de 2021), a Presidênci­a Biden tinha uma elevada aceitação, na casa dos 60%. Depois veio a saída traumática e muito mal conduzida do Afeganistã­o, em agosto de 2021 – e, a partir daí, nunca mais Joe Biden voltou a ser um presidente popular.

Será possível que, nos oito meses que faltam para a eleição geral, os norte-americanos se lembrem daquele primeiro meio ano de presidênci­a Biden?

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