É urgente pensar na saúde mental de todos os profissionais que, diariamente, olham a violência nos olhos e que nem sempre conseguem lidar da melhor forma com aquilo que veem, ouvem e sentem.”
Muitos profissionais lidam diariamente com o pior que a Humanidade pode apresentar – maus-tratos, abuso sexual, violência doméstica… falamos de psicólogos, psiquiatras, médicos, enfermeiros, polícias, assistentes sociais e tantos outros que dedicam a sua vida profissional a tentar proteger, diminuir sequelas e a prevenir as mais diversas formas de violência. Falamos de técnicos que, de uma forma recorrente, são expostos a situações potencialmente traumáticas.
Que impacto tem este tipo de exposição e vivências na saúde mental de quem cuida?
A exposição a este tipo de situações pode ter um impacto claramente negativo, especialmente quando persiste ao longo do tempo, tantas vezes ao longo de anos ou mesmo décadas. Assistimos frequentemente a um processo de vitimização vicariante, que diz respeito a uma forma mais indireta ou secundária de vitimização – ou seja, a pessoa não é vítima direta de violência (seja ela física, psicológica, sexual ou outra), mas assiste ou presencia essa mesma violência junto de outros.
Esta exposição pode ter um forte impacto negativo no bem-estar de quem é exposto, mesmo quando é um profissional treinado e experiente, podendo surgir alterações emocionais ou de comportamento muito significativas, com quadros ansiosos ou depressivos, reações agudas de stress ou outras.
Naturalmente que a experiência ajuda a amenizar este potencial impacto negativo, na medida em que permite desenvolver algumas estratégias de coping que facilitam o contacto regular com vivências traumáticas. Mas não chega. Por mais experiência que se tenha, e mesmo quando se acredita ter-se já “visto de tudo”, existem sempre alguns momentos de maior vulnerabilidade.
Sabendo que o efeito do stress é cumulativo, que medidas são (ou deviam ser) adotadas pelos diversos serviços e instituições por forma a prevenir o impacto negativo que a natureza da própria função envolve? Como prevenir níveis de stress desajustados ou mesmo situações de burnout?
Em Portugal, o bem-estar e a saúde mental de quem trabalha nesta área não tem sido, em regra, uma preocupação por parte das chefias e lideranças. Tendemos a focar-nos nos números e nas estatísticas dos serviços, e não na forma como se sentem os trabalhadores desses mesmos serviços. Esquecemo-nos de cuidar de quem cuida.
É urgente pensar na saúde mental de todos os profissionais que, diariamente, olham a violência nos olhos e que nem sempre conseguem lidar da melhor forma com aquilo que veem, ouvem e sentem. Quem trabalha nesta área sabe que não existe um botão que se desliga a uma determinada hora, permitindo deixar para trás toda a bagagem acumulada durante o dia. Por isso, é fundamental apostar em medidas preventivas, aliando estratégias individuais de autocuidado com medidas organizacionais de promoção do bem-estar.
Temos de cuidar de quem cuida.