Na idade da inocência
Meu Nome É Gal, de Lô Politi e Dandara Ferreira , é uma das muitas estreias da semana. Mais um biopic de uma lenda da MPB. A juventude de Gal Costa filmada com uma humildade que não é infortúnio. Faz raccord com a memória coletiva de uma época...
Gal na sua juventude, coisa muito sensata neste caso. O que os realizadores pretendem neste biopic da “maior cantora brasileira” é, sobretudo, celebrar essa energia de um estado da vida, uma força que é tão pujante como fatal e, no caso desta artista, tão emotiva e doce. Uma juventude que é património de um Brasil cultural que soube lutar pela liberdade e pela prioridade às artes. O que está aqui em causa é mostrar às novas gerações a importância de cantar com paixão e luta política, é essa a zona bonita da mensagem de um filme que, na sua menoridade, se agiganta e quase sai da casca do produto formatado do biopic. Porque Gal Costa era amor, só isso.
Mas já que falamos de biografias, percebe-se agora que há realmente uma aposta da indústria brasileira nas histórias que retratam os seus tesouros musicais. Se há uns tempos vimos o apenas digno Elis, de Hugo Prata , está já na forja o biopic de Ney Matogrosso com Jesuíta Barbosa como protagonista e, sabe-se, Rita Lee terá também o seu biopic. Uma tendência que em Portugal não deu resultados desastrosos com filmes como Variações, de João Maia, e Bem Bom, de Patrícia Sequeira. Mas o grande problema das biografias musicais é terem sempre a mania de serem “copionas” das de Hollywood, mas sempre sem o engenho e a escala. Este Meu
não ultrapassa essa dimensão, mas tem muitos pontos positivos.
O ponto de partida é a chegada da artista ao Rio de Janeiro, ainda muito jovem e com uma acentuada timidez. A partir daí acompanha-se a sua integração na cena musical do Tropicalismo e a forma como foi apadrinhada por Caetano, Gilberto Gil e Bethânia. Passa-se ainda pela sua troca de orientação sexual, a dependência da nicotina, a criação dos seus primeiros clássicos, a relação com a mãe que a visita da Baía e todo o terror do período da repressão da Polícia Militar.
Do que de bom se recomenda no filme passa tudo por um respeito enorme pela figura de Gal, em especial pela forma como a artista abordava a sua vocação de cantora. “O meu negócio é a música”, ouve-se da boca dela e, aí, os cineastas defendem-na de alguma tentação de intriga voyeur sobre a sua vida íntima.
Outro bónus: uma câmara que acredita nos grandes planos radicais sob o rosto de uma atriz que rima com a doçura de Sophie Charlotte. Nesse aspeto, ensaia-se mesmo um desígnio de se ir além dos limites do close-up... Fundamental também ter uma atriz com uma vibração para além da telenovela.
O mais importante ainda acaba por ser o modo como se encena com devoção uma memória de afetos pelos heróis e época do Tropicalismo, conseguindo que a plateia sinta uma espécie de saudades por uma memória coletiva de um Brasil que acaba por ser património de várias gerações. Saudades e pele de galinha, sendo que os argumentistas parecem ter um fraquinho algo excessivo por Caetano Veloso (interpretado brilhantemente por Rodrigo Lelis), como se houvesse uma vontade de fazer também um spin-off sobre ele. Mas é facílimo aderir a esta carga emotiva e afetiva dos heróis da música brasileira e, escusado será afirmar, fica-se mais fã de Gal.