Diário de Notícias

E Depois do Adeus e Waterloo Os fins de guerra em duas canções

- TEXTO JORGE MANGORRINH­A

A 7 DE MARÇO ASSINALAM-SE OS 50 ANOS DA VITÓRIA DE E DEPOIS DO ADEUS NO XI GRANDE PRÉMIO TV DA CANÇÃO, QUE FOI UMA DAS SENHAS DO GOLPE MILITAR EM 25 DE ABRIL DE 1974, CONJUNTAME­NTE COM GRÂNDOLA, VILA MORENA. A PARTIR DE HOJE, NO SITE DO DN, A HISTÓRIA DE 50 CANÇÕES PORTUGUESA­S EM 50 DIAS, ATÉ 25 DE ABRIL, CONTADAS POR JORGE MANGORRINH­A E ILUSTRADAS POR VÍTOR HIGGS.

OXI Grande Prémio TV da Canção, a 7 de março de 1974, e o golpe militar, no mês seguinte, tiveram a mesma canção que os marcaram através da música. Ambos os factos anunciaram o fim da guerra no Império Colonial Português. Semanas depois, a 6 de abril, o Festival Eurovisão da Canção deu a conhecer um grupo sueco que também cantou o fim de um outro conflito, evocando, com ironia, a Guerra Napoleónic­a.

Lembro que, em Portugal, a canção de José Niza e de José Calvário não era a mais incómoda. A censura apenas estava de olho na canção de José Cid, intitulada No Dia em Que o Rei Fez Anos (Green Windows). Ambas acabariam por ser inspirador­as do futuro do povo português.

Em Brighton, E Depois do Adeus cresceu de entusiasmo junto de outras delegações e dos próprios músicos da orquestra, mas uma mudança súbita nas regras de votação acabaria por condená-la na classifica­ção final, remetendo-a para o último lugar. Os donos e senhores da Eurovisão ditaram que a vitória seria para um grupo quase desconheci­do, ABBA, que à entrada da competição era visto como se José Afonso estivesse presente a cantar no festival português – era apenas conhecido de um núcleo restrito.

Paulo de Carvalho não ficou numa fotografia de conjunto dos participan­tes dos diferentes países em Brighton, desconhece­ndo-se a razão disso, mas ficou na história portuguesa, musical e politicame­nte, tanto do Portugal amordaçado, como do Portugal libertado. A canção fez a ponte entre os dois regimes. Porém, a crítica mantinha-se inquieta antes da viragem: “Só que a Eurovisão não nos pode interessar, nem sequer como exportador­es de cantigas. Não é com as cantorias, decerto, que podemos melhorar a nossa imagem aos olhos do mundo” (República, 8 de abril de 1974), escrevia o jornalista Correia da Fonseca.

Adivinhava­m-se mudanças.

E Depois do Adeus tornou-se temporal, não só porque o poema de amor revelava uma subtil insatisfaç­ão por parte de um soldado na Guerra Ultramarin­a, como por ficar para sempre como senha de um marco cronológic­o de mudança que, paradoxalm­ente, antecederi­a o mais politizado festival português de sempre (1975), em pleno processo revolucion­ário após o golpe militar.

As imagens do filme promociona­l do E Depois do Adeus centraram-se na região de Lisboa. Não havia dinheiro para mais. A RTP estava mais interessad­a noutras imagens, tal como expressou Ramiro Valadão, seu presidente, durante a [última] assembleia-geral da empresa, refletindo sobre a função ideológica da RTP como divulgador­a e continuado­ra da ação governamen­tal: “Imagens das grandezas do mundo e do País e de quanto preocupou e angustiou a Nação e a Humanidade. Imagens dos portuguese­s valorosos que, no ultramar, se batem com destemor e glória, para defesa da Pátria ameaçada. Imagens feitas pelos nossos enviados especiais à África, soldados afinal também, que tão brilhante e alegrement­e cumprem o seu dever. Imagens alegres e tristes como é regra do viver em todos os séculos. Imagens de um país que trabalha e progride para continuar a sua missão na História. São estas as imagens que a RTP todos os dias transmite e ficam gravadas na memória de todos nós. Na memória e na alma de todos nós. Assim vamos continuar. Eu, vós todos, e os que nos sucederem nesta missão.” (República, 8 de abril de 1974)

Isso não viria a acontecer.

Aconteceu o facto de a canção vencedora desse ano ter tido um novo protagonis­mo quando foi utilizada como primeira senha do pronunciam­ento militar (Emissores Associados de Lisboa, às 22.55 do dia 24 de abril), seguida de Grândola,Vila Morena (Rádio Renascença, às 00.24 do dia seguinte), que marcam o início das operações à escala do País.

A esta hora, estava Paulo de Carvalho à conversa com um amigo no carro deste, sem rádio, à porta do Café Vá-Vá, em Lisboa, e não deu por nada, mas essa madrugada deu-lhe maior dimensão histórica, que não deve ofuscar o seu longo percurso até ao presente. Paulo de Carvalho traz consigo ecos de liberdade que nos reavivam a memória de uma luta feita e agradecida por muitos.

A mudança fez-se, e, em maio, as canções livres viajariam até ao Porto, para se apresentar­em no

I Encontro Livre da Canção Portuguesa, para cerca de 20 000 pessoas se entusiasma­rem com a presença de cantores de outros festivais. O da RTP continuari­a, mas sem o mesmo glamour, e as canções perduraram no espírito do povo português, sempre com essa necessidad­e de cantar a esperança. Porém, presenteme­nte, a democracia precisa de ser tão regada, quanto os cravos que lhe deram cor nesse longínquo ano de revoluções.

Depois de Brighton, o Paulo ficou num país democratiz­ado, enquanto o grupo ABBA bateu asas e voou pelo mundo fora, revolucion­ando o pop internacio­nal, até se retirar uma década depois da sua criação.

Meio século passado, os membros do ABBA e Paulo de Carvalho estão entre nós, e para sempre as suas canções. Ambas de amor e de guerra, ambas com um forte simbolismo. Nesse ano, Lisboa foi palco para o festival português e semanas depois para a mudança política em Portugal. Brighton serviu como cenário deslumbran­te para um evento inesquecív­el, porque as suas areias douradas brilharam sob um sol amornado, acrescenta­ndo um toque de beleza natural a esta ocasião já marcante, como um importante encontro que não apenas celebrou a música como, também, uniu pessoas de todas as esferas da vida, através do amor que compartilh­avam naquela circunstân­cia.

Não há revoluções sem canções. E, presenteme­nte, de novo, urge entoarmos a paz no mundo, nem que se façam novas revoluções. Revoluções não-silenciosa­s e cantadas. – Historien Upprepar Sig (A História Repete-se), diz a letra original de Waterloo. É por isso, também, que, a partir de hoje em formato digital no Diário de Notícias, evocamos 50 canções portuguesa­s (a chamar a Abril).

ABBA e Paulo de Carvalho estão entre nós, e para sempre as suas canções. Ambas de amor e de guerra, ambas com um forte simbolismo.”

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