Diário de Notícias

Bombos e foguetes

- Filipe Gil Editor do Diário de Notícias

No inverno de 2006 vivi uma experiênci­a de que me recordo sempre que entramos em períodos de campanha eleitoral. Foi o culminar de semanas de observação, ponderação e muita curiosidad­e pelo que se passou ao meu redor.

Na altura estava a viver nos Países Baixos, na capital, Amesterdão. E numa segunda-feira de início de março saí mais cedo do emprego com a conivência do meu diretor, um norte-americano. Quando lhe disse que ia sair para ir votar, anuiu com a cabeça e olhou-me com aquele ar de: “Já não vais ser o empregado do mês!”. Lembro-me que também respondi de forma não-verbal com um sorriso cínico de: “aguenta-te, estás na Europa!” – as coisas que a nossa mente grava...

Na altura trabalhava numa torre envidraçad­a nos arredores da cidade - e cujas janelas dos seus 28 andares eram limpas com frequência por uma equipa de portuguese­s. Peguei na minha bicicleta e pedalei entusiasma­do até ao local de voto, num edifício da Câmara Municipal onde algumas pessoas ordenadame­nte exerciam o seu direto.

E lá, pela primeira vez na vida, votei num país estrangeir­o e por voto eletrónico. A tal experiênci­a que mencionei. Creio não existirem muitos portuguese­s que tenham feito o mesmo, apesar da diáspora moderna.

E numa pequena cabina pressionei com o dedo, numa altura em que os iPhones não existiam, e votei na minha escolha para as eleições autárquica­s locais. Foi um ato que culminou um processo, de uma série de semanas, em que pedi informaçõe­s aos partidos em inglês (e alguns respondera­m-me), e em que vi uma campanha eleitoral como nunca tinha visto. E, ainda, muito diferente do que fazemos hoje, quase 20 anos depois, em Portugal.

Para começar, os cartazes de propaganda política têm espaços delimitado­s. As câmaras disponibil­izam painéis metálicos não muito grandes que distribuem por vários bairros, e naquele espaço os partidos colam os seus cartazes em tamanho A3 ou A2, umas vezes ordenadame­nte, outras nem tanto. Essa foi a primeira grande diferença que notei. Por lá não há cartazes enormes quer à beira das vias rápidas, quer no centro da cidade com letras garrafais e caras em tamanho XL.

E a forma de contacto dos políticos com os cidadãos é muito diferente. Perto dos mercados, os vários partidos montam tendas, abertas, ao lado umas das outras, onde distribuem panfletos e falam com a população. Vi alguns partidos terem uma espécie de atendiment­o aos eleitores, a lembrar as mesas-redondas da Feira do Livro de Lisboa onde podemos falar com vários autores.

Mas não se pense que são campanhas soturnas.Vive-se em ambiente de festa, moderada, com alguma música a sair de colunas e sorrisos. Cada partido com elementos, na maioria jovens, vestidos com as respetivas cores partidária­s. Lembro-me das vestes encarnadas do Partido Trabalhist­a (PvDa) e as verdes dosVerdes de Esquerda (Groenlinks) e dos azuis dos Democratas Cristãos (CDA).

Parece que são assim as coisas no norte da Europa. Tanto que já este verão, em Oslo, na Noruega, assisti ao mesmo cenário. O mesmo tipo de tendas e a mesma abordagem e esclarecim­ento aos cidadãos junto de mercados. Norueguese­s, imigrantes, passantes – aliás, fui abordado por dois partidos enquanto passava por perto – podiam ouvir, falar e argumentar com os políticos.

Uma realidade muito diferente da que ainda, e sublinho o ainda, se vive em Portugal. E não, não quero contribuir para aquele discurso do “lá fora é que é bom”, mas, como cidadão português atento à política - e não à politiquic­e - e percebendo algumas coisas de comunicaçã­o, intrínseca aos mais de 20 anos de jornalismo, não consigo deixar de perguntar: ‘mas por que raio ainda fazemos as campanhas políticas como a que acabamos de assistir nas últimas duas semanas?’.

Alguém me consegue explicar o proveito para o cidadão de uma arruada? Tirando os pequenos partidos com menos militantes e que, na rua, conseguem falar com calma com os cidadãos, de que serve uma multidão pejada de bandeiras a lutar por um plano fechado nas televisões para que dezenas pareçam centenas, e centenas pareçam milhares? De que serve uma arruada com o candidato principal do partido, acompanhad­o por notáveis ou barões, à frente de uma horda de militantes, com comportame­ntos parecidos com as claques de futebol? Onde é que isso se transforma em voto?

E como é que isso esclarece os indecisos? Se calhar há uns anos tinha lógica, pela tal onda de vitória que muitos falavam, atualmente não parece que faça o mínimo sentido. Os cidadãos portuguese­s já não são tão naïf como a maioria dos políticos acha que somos. Nos últimos 25 anos o país mudou muito, muito mesmo. Passámos por crises económicas sucessivas; uma pandemia que deixou juros mentais para pagar; e vimos políticos, banqueiros, empresário­s e demais elites a serem presos e responsabi­lizados. Deixámos de ser ingénuos.

Costumo dizer no meu círculo de amigos que o par de anos que vivi nos Países Baixos, entre 2004 e 2006, foi como se tivesse vivido cinco anos no futuro em relação em Portugal. Na altura sentia mesmo isso, hoje já não. A mal ou a bem, estamos ao nível da maioria dos países da Europa Ocidental. Contudo, continuamo­s a ser tratados como ingénuos e desinforma­dos pela classe política, como se um voto pudesse ser conquistad­o por uma mão cheia de canetas, um saco da moda ou uma festa na rua com bombos e cantores pimba. Cara ou caro leitor, se fizer um pequeno exercício e perguntar a quem lhe é próximo o que acham desta campanha eleitoral, estou certo que a maioria afirma que já não a aguenta, está farta das arruadas e das caravanas que passam à porta das suas casas. Basta de bombos e foguetes! Podemos, de uma vez por todas, evoluir na forma como se fazem as campanhas e como se fala com os eleitores?

Os 50 anos do 25 de Abril merecem-no!

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