Diário de Notícias

The Last Dance

- Maria Castello Branco Consultora política

Encerra-se hoje uma campanha atípica. Se, há duas semanas, escrevia que Luís Montenegro ganhava o prémio de melhor debatente, os seus rivais alteraram-se. A campanha oficial foi marcada por aparições de pesos-pesados de quase todos os partidos, mas os de Montenegro pesaram-lhe especialme­nte.

A Aliança Democrátic­a enfrentou duas semanas de contrastes internos e compromiss­os externos. Montenegro, fiel à tentativa de reconcilia­ção com os pensionist­as, prometeu demitir-se caso as pensões fossem reduzidas. A promessa dramática (e perigosa) foi forçada pelas declaraçõe­s de Passos Coelho que, para além de associado no imaginário político aos cortes das pensões, pareceu piscar o olho com demasiada força a um partido com o qual Montenegro já traçou linhas vermelhas.

Depois, foi a vez de Paulo Núncio, que, de forma absolutame­nte inusitada – e talvez por estar farto que se diga “o PSD” em vez de “a AD” –, decidiu colocar o CDS-PP no centro da campanha. Montenegro viu-se outra vez obrigado a responder e contextual­izar declaraçõe­s controvers­as de figuras ligadas à AD, mas não apagou as dúvidas. Núncio continua elegível à Assembleia da República, e um passado do qual Montenegro se quer afastar voltou. É que Paulo Núncio gabou-se de uma tentativa da PàF, em 2015, de dificultar o acesso à IVG. Luís Montenegro era o líder da bancada parlamenta­r do PSD, que impôs – atipicamen­te – disciplina de voto sobre todos os seus deputados. Mas logo apareceu Assunção Cristas – a primeira grande figura que alinhou o discurso com o líder da AD.

Só que Oliveira e Sousa, cabeça de lista por Santarém e putativo ministro da Agricultur­a, não quis perder a festa e deixou escapar algum negacionis­mo climático, a par de uma perigosa incitação a milícias de agricultor­es. Luís Montenegro, qual pai desesperad­o, teve de ir apagar outro fogo, mais uma vez obrigado a pausar a campanha para pôr pensos rápidos numa coligação que parece estar num colete de forças.

Ressuscita­ram depois vozes antigas, em comícios no norte, que seguiram não a linha de recentrame­nto de Montenegro, mas a de abocanhame­nto de eleitorado do Chega. Durão Barroso fez alusões infelizes e pouco inspiradas, e Luís Filipe Menezes demonstrou que o vocabulári­o ficou em 1924 quando lhe escapou um “as meninas do Bloco”. Mas, desta vez, Montenegro foi safo pelo homem que sabe bem o que é ter os irmãos mais velhos a darem-lhe pontapés. Santana Lopes, o único até então que elogiou verdadeira­mente o líder da AD, deixou uma mensagem subliminar à Aliança Democrátic­a: “[Montenegro] manda, lidera, comanda, decide o rumo, decide a orientação.”

O que é certo é que Montenegro, depois da aparição de Paulo Portas (que, para surpresa de muitos, alinhou todo o seu discurso com as bandeiras da campanha de Montenegro), virou a agulha e partiu para a caça ao Chega.

Numa altura em que ainda há um número anormalmen­te alto de indecisos, a Aliança Democrátic­a deveria demarcar-se do PS através do apelo à mudança, sim, mas não a uma mudança de rumo como quem muda de roupa interior. Resta saber se a cacofonia dentro da AD se deve ao pluralismo ou à falta de concordânc­ia com a liderança de Montenegro. E fica a questão: a campanha é AD’eles?

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