Diário de Notícias

Virança Ana Drago

- Investigad­ora do CES

Aenxurrada de sondagens e barómetros por estes dias não nos deixam antever com clareza os resultados das eleições do próximo domingo. Sucedem-se indicações contraditó­rias, margens curtas e muitos indecisos. E lembramo-nos das últimas legislativ­as. As sondagens davam um “empate técnico” entre PS e PSD, mas António Costa ganhou nas urnas uma maioria absoluta, o que só tinha sido alcançado pelo PS uma única vez em toda a história da democracia portuguesa, na sequência do colapso por indecente e má figura do Governo de Santana Lopes.

Não sabemos o que estaremos a discutir na segunda-feira. Mas sabemos que há algumas tendências que se têm vindo a desenhar nos últimos anos na política portuguesa e que serão importante­s para os tempos que temos pela frente.

1. A extrema-direita veio para ficar. Em apenas quatro anos conseguiu tornar-se a terceira força partidária e quer ser Governo. Se olharmos o que foi acontecend­o por essa Europa afora na última década, é bom reconhecer que essa polarizaçã­o extremista não é conjuntura­l, não vai evaporar-se rapidament­e. Na Alemanha, Áustria, Holanda, França, Itália, Espanha e noutros países, a nova e alguma velha extrema-direita conseguiu normalizar-se como voto de protesto de largos segmentos sociais que dizem sentir-se traídos pelas políticas das democracia­s liberais. Traídos porque o salário não cresce; porque os jovens não têm perspetiva­s; porque há escândalos e corrupção nos partidos “tradiciona­is” e nos governos; porque a globalizaç­ão trouxe migrantes e há novas identidade­s sociais. A extrema-direita não tem propostas credíveis para resolver o sentimento de mal viver; é financiada pelas elites endinheira­das do sistema; e vai até somando os seus escândalos – desde o financiame­nto russo à extrema-direita austríaca e francesa, aos vários escândalos/processos de Trump nos EUA, ou mesmo os casos criminais dos dirigentes do Chega noticiados em Portugal. Nada disso interessa. Este voto não procura uma alternativ­a credível, é antes uma expressão de raiva. Como alguém escrevia, a atual extrema-direita é o movimento antissisté­mico dos que não acreditam que há uma alternativ­a ao sistema. E não desmobiliz­a se parte dessa agenda for incorporad­a na direita tradiciona­l. Como a França prova, os eleitores mantêm o seu voto no original. A incorporaç­ão que a AD fez dos temas do Chega, por vezes envergonha­da e por entreposto­s ex-líderes (imigração, inseguranç­a, aborto, corrupção) não o vai esvaziar. Por isso, o combate democrátic­o contra a política do ódio tem de buscar políticas de fundo que mudem as perspetiva­s no sentido de uma melhoria de vida, combatam as desigualda­des que acicatam um sentimento de injustiça e com democracia­s em que não esteja já tudo decidido antes mesmo do voto ser expresso.

2. Aconteça o que acontecer no dia 10, o Partido Socialista tem uma reflexão a fazer. Na campanha tem apresentad­o o seu legado: equilíbrio (excedente!) orçamental; redução da dívida pública; regresso de Portugal à classifica­ção A- nas agências de rating; cresciment­o económico acima da média europeia; baixo desemprego; e subida do salário médio, em parte insuflado pelos aumentos do salário mínimo. Mas isso significa que há um mistério. Porque é que em 2022, à saída da geringonça e com seis anos de Governo, o PS alcança a maioria absoluta; agora, apenas dois anos depois, sente-se um inegável cansaço com o seu Governo. A aposta de Costa na estratégia das “contas certas” – para além do que já se intuía como razoável – parece ter sido um erro. O “espaço mediático”, sempre disponível para acusar de “irresponsa­bilidade financeira” os antigos governos do PS, ignora agora alegrement­e os seus brilharete­s. Não houve reconfigur­ação do eleitorado: os votantes do centro-direita afinal não acorreram a entregar-se nos braços dos socialista­s; e a perda real de salário em segmentos intermédio­s, em particular nas carreiras públicas, desmobiliz­ou parte do povo do PS. Costa maltratou uns, sem conseguir ganhar os outros. Era bom que os socialista­s aprendesse­m algo com este percurso.

3. Por seu lado, a esquerda à esquerda do PS tem mostrado dificuldad­e em captar o voto de desilusão com os socialista­s. Se as preocupaçõ­es com salários, saúde e habitação são reais, porque é que o Bloco e CDU, que sempre se centraram nestes temas, não sobem nas intenções de voto? Se calhar é tempo de dar um novo impulso a um campo político que partilha muito do seu programa e olhar os resultados que novas articulaçõ­es políticas à esquerda têm conseguido em França e em Espanha. Continuar a fazer o mesmo e esperar resultados diferentes é que não parece muito sensato.

4. Finalmente: sobre os resultados eleitorais de domingo, estou com os sábios. Prognóstic­os, só no fim do jogo.

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