Diário de Notícias

“Política ultramarin­a” eleva as almas

- TEXTO BRUNO HORTA

Em vésperas da revolução que ainda ninguém sabe que vai acontecer, a vida política nacional parece habitar num planeta diferente, alheia ao adensar do conflito nas colónias (que são apenas“províncias”) e à cada vez mais difícil situação militar portuguesa. Senão alheada, porque na verdade o assunto está na agenda sob a forma de loas ao regime, pelo menos teimosamen­te estagnada numa visão que hoje parece apenas insustentá­vel.

A 9 de março de 1974 o DN faz manchete com a Moção de apoio ao Governo que na véspera tinha sido “aprovada por unanimidad­e” na Assembleia Nacional, futura Assembleia da República. A notícia regista bem o ambiente unanimista que se vive. “Os 26 parlamenta­res que interviera­m neste debate, que se prolongou por três dias, foram unânimes nas suas afirmações de total apoio ao Governo”. Mais se lê que “a votação da moção foi feita de pé” por sugestão do deputado Cancela de Abreu. Encontram-se 130 deputados presentes. E cabe ao presidente do Parlamento, Carlos Monteiro do Amaral Neto, registar que “podem estar certos de que também a sua alma se encontra de pé”. A fotografia de primeira página do DN mostra o momento.

Entrecorta­ndo o texto principal, que se prolonga para a página 7, o jornal reproduz a moção aprovada. Formalment­e, há sinais de uma certa evolução: “Tendo em conta o regime constituci­onal em vigor quanto ao Ultramar”, a moção reconhece a necessidad­e de “uma autonomia progressiv­a na qual participem cada vez em maior número e mais decisivame­nte as respetivas populações.”

Há igualmente sinais da conhecida resistênci­a do regime às pressões internacio­nais e sobretudo da Organizaçã­o das Nações Unidas: é “direito inalienáve­l da soberania portuguesa encaminhar a evolução dos território­s do Estado português sem intromissõ­es humilhante­s de outros países ou de organizaçõ­es internacio­nais onde se definam políticas sob a inspiração de interesses estrangeir­os.”

Conclusão: em resposta a um apelo que o presidente do Conselho, Marcello Caetano, havia lançado dias antes no Parlamento, a câmara aprova uma moção que “resolve manifestar o seu apelo à política do Governo, em particular no que respeita à defesa e valorizaçã­o do Ultramar”.

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