“Política ultramarina” eleva as almas
Em vésperas da revolução que ainda ninguém sabe que vai acontecer, a vida política nacional parece habitar num planeta diferente, alheia ao adensar do conflito nas colónias (que são apenas“províncias”) e à cada vez mais difícil situação militar portuguesa. Senão alheada, porque na verdade o assunto está na agenda sob a forma de loas ao regime, pelo menos teimosamente estagnada numa visão que hoje parece apenas insustentável.
A 9 de março de 1974 o DN faz manchete com a Moção de apoio ao Governo que na véspera tinha sido “aprovada por unanimidade” na Assembleia Nacional, futura Assembleia da República. A notícia regista bem o ambiente unanimista que se vive. “Os 26 parlamentares que intervieram neste debate, que se prolongou por três dias, foram unânimes nas suas afirmações de total apoio ao Governo”. Mais se lê que “a votação da moção foi feita de pé” por sugestão do deputado Cancela de Abreu. Encontram-se 130 deputados presentes. E cabe ao presidente do Parlamento, Carlos Monteiro do Amaral Neto, registar que “podem estar certos de que também a sua alma se encontra de pé”. A fotografia de primeira página do DN mostra o momento.
Entrecortando o texto principal, que se prolonga para a página 7, o jornal reproduz a moção aprovada. Formalmente, há sinais de uma certa evolução: “Tendo em conta o regime constitucional em vigor quanto ao Ultramar”, a moção reconhece a necessidade de “uma autonomia progressiva na qual participem cada vez em maior número e mais decisivamente as respetivas populações.”
Há igualmente sinais da conhecida resistência do regime às pressões internacionais e sobretudo da Organização das Nações Unidas: é “direito inalienável da soberania portuguesa encaminhar a evolução dos territórios do Estado português sem intromissões humilhantes de outros países ou de organizações internacionais onde se definam políticas sob a inspiração de interesses estrangeiros.”
Conclusão: em resposta a um apelo que o presidente do Conselho, Marcello Caetano, havia lançado dias antes no Parlamento, a câmara aprova uma moção que “resolve manifestar o seu apelo à política do Governo, em particular no que respeita à defesa e valorização do Ultramar”.