Entre o trauma e a satisfação plena
Em Portugal faltam ainda estações de carregamento com múltiplos lugares para evitar longas esperas. Mas o balanço dos utilizadores de veículos elétricos é positivo. A partir de abril, a distância máxima entre postos deverá ser de 60 km nos eixos principais.
F “oi uma experiência traumática.” É assim que a designer Maria Vaz da Silva recorda o primeiro embate com o seu Nissan Leaf. “Tinha acabado de o comprar, em 2019, não sabia conduzir um elétrico e quis testar os limites numa viagem de Lisboa ao Porto. Como era um bocado acelera, confesso, cheguei aos 160km/h.” Maria não demorou muito a perceber que a bateria não ia chegar ao Porto e teve de parar logo em Santarém. “O problema é que só havia um posto de carregamento, tinha um carro à frente”. No total, a empresária de 53 anos, dona de uma empresa de fardas na Beloura, teve de carregar duas vezes e demorou 5 horas a chegar à Invicta.
Cinco anos passados, está reconciliada e muito satisfeita com o seu carro. “Porque fui percebendo que a carga depende da nossa condução, tornei-me uma condutora mais calma e acaba por ser como um jogo. Agora faço escolhas, carrego no trabalho e, se for de Cascais para Lisboa pela A5, sei que gasto 10% a 15% de bateria, enquanto que, pela Marginal, são só 7%. Carrego uma vez a 100% e dá-me para cinco ou seis dias.”
Como empresária, Maria viaja, sobretudo, para o Alentejo e já não tem receio de ficar sem bateria. Mas toma medidas preventivas: prefere usar uma manta para o frio em vez de ligar o ar condicionado. Ainda não conseguiu foi ter a confiança necessária para ir ao Algarve nos períodos mais críticos do verão, por receio de engarrafamentos nas estações de serviço.
A falta de estações de carregamento com múltiplos postos e de carregamento rápido e ultrarrápido em Portugal é justamente apontada pelo presidente da Associação dos Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE) como um dos problemas a resolver, pois na sua maioria têm apenas dois lugares, mesmo na A1. Henrique Sánchez acredita que isso se resolverá à medida que houver mais procura, porque é ela que comanda o investimento dos operadores. Em meados de abril entra em vigor um regulamento europeu que obriga a uma distância máxima de 60km entre pontos de carregamento nos eixos principais, sendo que Portugal até figura bastante bem no quadro europeu. É uma realidade que Henrique Sánchez conhece bem, pois viajou no seu Tesla de Lisboa a Oslo, sempre sem sobressaltos, o que reforça a sua preferência pela mobilidade elétrica, já desde 2011.
Henrique sabe que ter um topo de gama ajuda não só a garantir maiores autonomias, como a ter uma rede premium de carregadores disponíveis, em hotéis, por exemplo. Mas, independentemente das marcas, o presidente da UVE garante que, “mesmo que não se tenha carregador em casa, a solução elétrica é mais vantajosa e económica” e está certo de já ter poupado alguns milhares de euros ao longo dos anos. Considera, no entanto, que não se deve comprar um carro destes sem ter informação de como funcionam e se se adaptam às condições de cada um.
No meio termo da transição energética, Magda Santos, ao volante de um híbrido Toyota CRH, de 2017, diz-se muito satisfeita com a performance, “tanto em cidade, quando há muito trânsito (o consumo médio baixa para 4 litros aos 100), como em viagem para o Algarve a 120 km, conseguindo um consumo de 5 litros aos 100”.
“Claro que esta média só se consegue sem acelerar muito, fiz um curso de condução defensiva e estou agradada com os resultados: viajar agora é mais tranquilo e económico.”
A engenheira civil de 63 anos não estava a pensar mudar para um 100% elétrico, pelas limitações do carregamento, mas depois de saber que na próxima década todos os outros veículos estarão em fim de linha, admite reponderar.
Depois de reaprenderem a conduzir, os utilizadores de veículos elétricos fazem um balanço positivo. O presidente da UVE diz inclusive que é sempre mais barato, mesmo sem garagem própria.