Democracia participativa de quem?
Estávamos todos na Praia Grande para o fim de semana. Ano: 2017. Os hóspedes eram jovens da Linha de Sintra, na sua maioria afrodescendentes de grupos informais que não se conheciam entre si. A residência era animada pela Dínamo, no âmbito da rede de participação de jovens de Sintra, um fórum para promover o envolvimento cidadão dos mais novos.
Como convidados – mas sem pernoita – tínhamos representantes das juventudes partidárias dos cinco partidos então com representação parlamentar. Estiveram presentes, mas ausentes dos jovens. Os cinco faziam tudo juntos: comer, observar, esperar, não interagir sem ser entre eles.
Naqueles dias percebeu-se que a distância política entre os extremos do Parlamento é menor que a distância dos jovens para com eles.
Há mais de uma década trabalhei no Vale da Amoreira, na Moita. Ao tentar inteirar-me de um retrato mais abstrato da freguesia, deparei-me com os seguintes registos: 9864 habitantes (Censos 2011), 9953 eleitores, 3341 votantes (autárquicas 2009). Causa evidente estranheza que houvesse mais eleitores que moradores, ainda mais sabendo que metade da população oficial tinha menos de 30 anos. Nós percebíamos, até pelo gradual aumento das turmas do 1.º ciclo, que a população do bairro devia ser próxima dos 18 mil. No meio disto, numa eleição autárquica ganhava-se a freguesia com 1400 votos.
A Freguesia de Santa Clara, na parte norte da Lisboa, e considerada a mais pobre da cidade, teve uma taxa de abstenção de 47% nas legislativas de 2022. Quase 40% da sua população mora em habitação social. Mesmo ao lado, no Lumiar, votaram 73% dos eleitores nas mesmas eleições. De regresso ao Vale da Amoreira, agora agregado à Baixa da Banheira como resultado da reforma administrativa, nas últimas legislativas apenas votaram 49% dos eleitores.
Parece haver um consenso que ninguém quer quebrar. Políticos e comentadores assumem-se defensores desta democracia liberal. Ficaram agarrados ao Fim da História e o Último Homem de Fukuyama, celebrando o coroamento do capitalismo sobre tudo.
Andam, sem dúvida, distraídos no seu privilégio. 25 anos passaram, não houve melhorias e, pior: não há aspiração.
Nas freguesias que mencionei, e noutras no Portugal urbano e rural, a abstenção não é uma ausência do político. É uma alienação condicionada pela precariedade das vidas quotidianas. Da ausência de equidade, de empobrecimento estrutural, de cassação de direitos de cidadania.
É um ciclo vicioso que favorece os mesmos, sendo o privilégio de decidir um devir que não é de todos.
Não há democracia consolidada sem qualidade de vida e equidade nos vários acessos. Só assim o político terá, pelo menos, uma plataforma em igualdade para todos: as eleições.
Há sítios em Portugal onde o dia de eleições é apenas mais um dia como os outros.
Não há democracia consolidada sem qualidade de vida e equidade nos vários acessos.”