Um combativo Joe Biden abriu uma campanha eleitoral de oito meses
Discurso sobre o Estado da União serviu para demonstrar o vigor do octogenário presidente e provável candidato a novo mandato, mas também para dar estocadas em Donald Trump, a quem chamou várias vezes de “antecessor”.
Um estadista defensor da democracia com propostas para os próximos quatro anos ou um “senhor idoso, zangado e de fraca memória a gritar para as pessoas saírem do seu relvado”, como comentou o representante republicano Bob Good sobre o discurso de Joe Biden sobre o Estado da União? A crer na sondagem da CNN, a maioria dos norte-americanos que assistiram pela televisão estão de acordo com as políticas propostas (62%) quando, antes da intervenção de 68 minutos, essa percentagem era minoritária (45%). A forma como o presidente norte-americano se apresentaria perante os eleitos foi vista como uma prova às suas capacidades, uma vez que seis em cada dez eleitores têm dúvidas sobre as suas capacidades mentais.
Em vez de omitir o tema, aproveitou para escavar a diferença para com o seu provável adversário nas eleições de novembro, Donald Trump, quatro anos mais novo. “A questão que se coloca à nossa nação não é a idade que temos, é a idade das nossas ideias. O ódio, a raiva, a vingança e a represália são as ideias mais antigas. Mas não se pode liderar a América com ideias antigas que só nos atrasam.”
Ao apresentar-se combativo e a aproveitar as interrupções de alguns republicanos para lhes responder à letra, numa intervenção sem gaffes, Biden passou no teste da perceção pública. A mensagem anual aos representantes e senadores foi obviamente mais do que isso, como se comprova abaixo.
Em defesa das liberdades
No início da intervenção, Biden evocou Franklin Roosevelt (quem retomou a prática de apresentar o discurso anual presencialmente e não por escrito) e a sua mensagem de 1941 para relembrar que, como então, a liberdade e a democracia estão sob ataque. No exterior, optou por deixar a China de fora e centrou-se na Rússia.
“Putin, da Rússia, está em marcha, invadindo a Ucrânia e semeando o caos por toda a Europa e não só. Se alguém nesta sala pensa que Putin vai parar na Ucrânia, garanto-vos que não vai. Mas a Ucrânia pode deter Putin se estivermos ao seu lado e lhe fornecermos as armas de que necessita para se defender.
“O que torna o nosso momento raro é o facto de a liberdade e a democracia estarem a ser atacadas, tanto no nosso país como no estrangeiro, ao mesmo tempo.”
É tudo o que a Ucrânia está a pedir”, disse, antes de voltar a instar os representantes a aprovarem o pacote de 60 mil milhões de dólares já votado pelo Senado.
Aproveitou a presença do primeiro-ministro sueco Ulf Kristersson, ao lado da primeira-dama Jill Biden, para dar as boas-vindas da Suécia à NATO e criticar as declarações de Donald Trump (“o antecessor”), o qual defendeu que Moscovo deve “fazer o que raio quiser” aos aliados que não gastarem as metas previstas de 2% do PIB na Defesa. “A minha mensagem para o presidente Putin é simples. Não vamos virar as costas. Não nos curvaremos. Eu não me curvarei.”
Mais uma vez o “antecessor”, mas também os eleitos (incluindo o presidente da Câmara Mike Johnson) que recusaram certificar o resultados eleitoral de 2020 foram referidos quando Biden visou a ameaça interna contra a democracia. “Este é um momento para falar a verdade e enterrar as mentiras. E aqui está a verdade mais simples: não se pode amar o nosso país apenas quando se ganha”, uma farpa que foi seguida de um apelo para a defesa da democracia, “sem distinção de partido”.
Crítica a Israel
Com a base democrata a clamar pelo cessar-fogo na guerra Israel-Hamas, inclusive entre os representantes, alguns com o tradicional keffyeh palestiniano – e sem o Governo de Netanyahu dar resposta suficiente para evitar um desastre humano, Joe Biden advertiu o aliado israelita de que “a assistência humanitária não pode ser uma consideração secundária ou uma moeda de troca” e reafirmou a defesa da solução dos dois Estados para a região.
Aborto e imigração
Dois temas polarizadores, o direito ao aborto e uma nova lei da imigração, não foram deixados de fora. A reversão do direito à interrupção voluntária da gravidez, em 2022, pelos juízes do Supremo, foi criticada por Biden, que prometeu restaurar a decisão Roe vs.Wade, de 1973, no próximo mandato.
Um tema em que a maioria dos norte-americanos se revê na posi
“Muitos de vós nesta Câmara e o meu antecessor prometem aprovar uma proibição nacional dos direitos reprodutivos. Meu Deus, que liberdades é que vão tirar a seguir?” Joe Biden Presidente dos EUA
ção democrata, mas não se descortina como é que Senado e Câmara terão maiorias para inscrever na lei federal os direitos reprodutivos da mulher.
Sobre a imigração, Biden apelou para o Congresso aprovar o projeto de lei que prevê a contratação de milhares de agentes para a segurança das fronteiras e de funcionários para fazer face aos processos de asilo. O projeto prevê poderes para o presidente encerrar a fronteira se as travessias ilegais atingirem um determinado limite. “Podemos discutir sobre a fronteira ou podemos resolvê-la. Estou pronto para a resolver.”
Habitação e impostos
Num discurso muito virado para a economia e para a classe média, Biden propôs dar a alguns cidadãos 400 dólares por mês durante dois anos para investirem em habitação. Enquanto reafirmou que quem tiver rendimentos inferiores a 400 mil dólares por ano não será atingido com maior carga fiscal, prometeu aumentar os impostos dos bilionários.