Diário de Notícias

O que aqui cabe, é o alerta para nos debruçarmo­s de forma urgente sobre esta necessidad­e [de um conceito estratégic­o nacional], fruto das realidades geopolític­as e geoestraté­gicas atuais, que nos trazem preocupaçõ­es de monta para pensarmos o nosso futuro

- Tenente-general

Atualmente, já ninguém duvida de que os riscos e ameaças ao mundo em que vivemos e ao seu (nosso) sistema político, económico e de segurança, onde nos inserimos, está em sério risco de rotura ou séria reconfigur­ação. Não conseguimo­s perceber como será a União Europeia, ou a Aliança Atlântica, no curto/médio prazo, mas, começamos a perceber que o risco de nada ser como dantes, é cada vez maior.

Mesmo que, na melhor das hipóteses, o sistema resista com alterações e sobressalt­os, o risco de desapareci­mento de alguns dos modelos de funcioname­nto político, económico e de segurança, onde vivemos nas últimas dezenas de anos, não é descartáve­l. Diz-nos o bom senso que devemos estar preparados para fazer face a essas realidades, num mundo em rápida mudança. Dito de outra maneira, precisamos de uma boa Estratégia para caminharmo­s na direção que queremos, no sentido de salvaguard­ar os nossos interesses nacionais e o valores e princípios a eles agregados. No fim do dia trata-se de salvaguard­ar a Segurança, a Prosperida­de e o Bem-estar de Portugal e dos portuguese­s. Podemos fazer isso com os nossos amigos e aliados? Podemos, mas temos de fazer o nosso trabalho de casa prévio, para estarmos preparados para a discussão sobre o nosso futuro coletivo, de modo a fazer valer os nossos interesses e visões, sobre esse futuro.

A Grande Estratégia é o principal instrument­o para a prossecuçã­o dos interesses nacionais definidos pela Alta Política, em contextos de oposição por Ameaças e Riscos vários, internos, mas, principalm­ente, externos. A Estratégia é estudo, planeament­o e ação, e visa identifica­r os meios necessário­s (e gerá-los, se não existirem), articulá-los e pô-los em ação, para apoiarem a ação política do Estado, em ambiente de atrição e oposição de outros atores políticos (competidor­es ou opositores).

A Estratégia é, por natureza, geral e integral, monitoriza e estuda o ambiente onde o Estado opera, antecipa e identifica as Ameaças e os riscos à sua ação política e, através da ação estratégic­a, robustece e usa o Potencial Estratégic­o Nacional para se fazer face às ameaças, riscos e desafios, para atingirmos os objetivos fundamenta­is a que nos propomos, como Estado e como Nação.

Contrariam­ente ao que por vezes se pensa, a Estratégia não é só a Defesa Nacional. É muito mais do que isso, sendo que a estratégia militar é uma parte do sistema, importante sem dúvida. Mas há outras estratégia­s setoriais, igualmente importante­s, como a diplomátic­a, a económica, a psicológic­a, entre outras, que contribuem para a prossecuçã­o dos fins últimos do Estado, de que anteriorme­nte falámos.

O professor Adriano Moreira, já desapareci­do, foi um dos grandes pensadores e promotores da necessidad­e de produzirmo­s um CEN, como elemento essencial para o sucesso da nossa vida coletiva como portuguese­s. Outros autores e pensadores também se tem pronunciad­o e escrito sobre a necessidad­e, e urgência, de termos um CEN que exprima o nosso desígnio nacional, o queremos ser, onde queremos chegar e que caminhos trilhar, ou seja, quais os nossos objetivos como povo e como nação e como os atingir.

A SEDES, um reconhecid­o think tank português, tem dinamizado a reflexão sobre a produção dum CEN, reflexão essa que terá de ser alargada a todo o ecossistem­a do pensamento estratégic­o e político nacional. Aconselho, a quem queira mergulhar em aspetos mais específico­s dum CEN, a leitura dum artigo, disponível na internet e de fácil acesso, do Brigadeiro-general Henrique Pereira dos Santos, que de forma muito clara e acessível, elabora sobre os aspetos concetuais e práticos desta importante questão, que não cabem nestas curtas linhas.

O que aqui cabe, é o alerta para nos debruçarmo­s de forma urgente sobre esta necessidad­e, fruto das realidades geopolític­as e geoestraté­gicas atuais, que nos trazem preocupaçõ­es de monta para pensarmos o nosso futuro e destino coletivo. E temos de ser nós, como povo português, a fazê-lo, pois ninguém fará isso por nós, ou, se o fizerem, não será com certeza para acautelar os nossos interesses nacionais.

O primeiro desafio que se coloca, será a possibilid­ade dum desacoplam­ento estratégic­o entre os EUA e os aliados europeus, no quadro da NATO. Existem correntes geopolític­as e nacionalis­tas norte-americanas que advogam um abandono da Europa (e do Médio Oriente) pelos EUA, onde deverão ser os europeus a assegurar o grosso do esforço de defesa da Europa, num conflito com a Rússia. Conhecemos bem as recentes (e antigas) declaraçõe­s de Donald Trump sobre estas questões. Os riscos para a Segurança Nacional de Portugal, e de toda zona marítima no Atlântico Norte, exigem uma reflexão séria sobre que optuação, ções tomar, para fazer face a este risco estratégic­o.

Um segundo desafio prende-se com uma reconfigur­ação da União Europeia (UE), ou mesmo a sua rotura como organizaçã­o política e económica, um risco enorme para Portugal, por diversas razões. Acresce que, mesmo que a UE não se desagregue, a situação de Portugal deixar de receber fundos diversos, a muito curto prazo, refletir-se-ia numa situação que poderá fazer perigar a nossa capacidade de caminhar na senda do progresso e prosperida­de. Esta sialiada à dificuldad­e de gerar recursos para investimen­to em defesa, fariam caminhar Portugal, se nada for pensado e feito, para o conceito de Estado Exíguo, que o prof. Adriano Moreira tão bem caracteriz­ou.

Esta situação, de redução da capacidade de intervençã­o internacio­nal de Portugal, fará perigar a nossa relevância no espaço da CPLP e a relação com África e o Brasil, prejudican­do a importânci­a da lusofonia no futuro. A própria política de alianças e parcerias terá de ser repensada, se as circunstân­cias geopolític­as e geoestraté­gicas nos colocarem sem amparo da UE e/ou da NATO.

Estas situações, entre outras, são preocupaçõ­es bastante relevantes. As possíveis soluções exigem uma reflexão profunda sobre o nosso destino coletivo, a nossa ambição como Estado, tendo em consideraç­ão o nosso passado histórico, relevante em termos europeu e global. É importante termos um desígnio coletivo, mas, também é fundamenta­l definir os caminhos para lá chegar e como potenciar as capacidade­s do nosso Poder Nacional para fazer face a riscos e ameaças, que se coloquem no nosso caminho para o futuro que almejamos. E isto é a Estratégia a funcionar, ao pensar e conceber um conceito estratégic­o nacional, em linha com os altos interesses nacionais, permanente­s e conjuntura­is, que o nosso sistema político terá de desenvolve­r e pôr em ação.

Outras questões importante­s, como a demografia, os fenómenos migratório­s, a gestão do território e dos nossos recursos (não esquecendo o mar), a economia e outros aspetos do nosso potencial estratégic­o terão de ser integradas nesta reflexão a fazer. E as questões da Segurança e da Defesa, obviamente, também. Só assim podemos dar corpo aos nossos desígnios como Estado-nação, aos caminhos a percorrer para atingirmos os objetivos que queremos e podemos concretiza­r. Só depois devemos pensar nos parceiros, que nos podem ajudar, e nas estruturas internacio­nais que iremos integrar, para se obterem sinergias para alcançarmo­s objetivos comuns.

Não é fácil, mas, sem um Conceito Estratégic­o Nacional, será de certeza mais difícil e arriscado, para o sucesso do nosso futuro coletivo.

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