Aquelas cinco capacidades críticas que o autor da Mensagem pede aos leitores, coexistem em Agostinho da Silva: intuição, simpatia pelo simbólico, cultura, adesão às relações entre o que está em cima e o que está em baixo, e, enfim, a inteligência.”
entregar com pertinácia a um sono que não vinha, lá me pus a ouvir as frases e as imagens deste breve livro. E quero partilhar essa leitura., Pode ser talvez que um ou outro professor, um ou outro aluno (mas não andam todos a perder tempo nas redes sociais? Não andam todos a TikTokar?) descubram Fernando Pessoa através da boa escrita do Professor Agostinho da Silva.
Frases, palavras, um português de fino recorte, de retórica apurada e pura, por elas se vê um compromisso de Agostinho da Silva para com o seu objecto de estudo: Pessoa e a Mensagem e Pessoa e as suas personas. Por elas – pelas frases e imagens – se adivinha o compromisso do professor para com Portugal. Como abre o livrinho? Assim: “Àqueles a quem, não querendo mal, também especialmente não amam concedem os deuses uma vida fácil e benigna, que os faz, a eles e aos restantes, acreditar em protecção celeste; aos outros, porém, àqueles cuja carreira se vê essencial aos destinos do mundo, vendem os deuses, e bem caro, todos os dons que os cumularam; e, porventura, o preço mais alto que reclamam da sua mercadoria é o de, a cada momento realmente importante da vida, nada disporem como que de maneira fatal, deixando que o seu amado possa, em plena liberdade, escolher o que mais é do seu agrado; e aqui a maior parte se perde: porque à chama que os tornaria celestes preferem a temperada medianidade que para sempre os prende à Terra.” (p.13). É um registo erudito, cheio de subtextos e, desde logo, o ver de Pessoa “morrem jovens os que os deuses amam” ou a ideia de que, na vida, há que escolher entre ficar em casa “contente com o seu lar” ou, com esforço, recusar ser “cadáver adiado que procria”, mera “besta sadia”. Pessoa foi desses: assumiu desde cedo e voluntariamente uma vida que, vivida a sós, lhe possibilitasse ser “plural como o universo”. Neste livrinho Agostinho da Silva é claríssimo na compreensão do enigma-Pessoa: para o autor de Mensagem jamais a Inglaterra seria solução. “O melhor que ela lançava já Portugal o fizera, muito antes dela.”, escreve. A capacidade de ler Pessoa por parte dum leitor que foi sempre simpatizante dos símbolos e nunca teve a cínica disposição dos “positivistas”, ou dos “homens de ciência” face à existência e seus trilhos ocultos, é impressionante porque Agostinho da Silva explica, como se estando dentro da cabeça e da visão de mundo de Pessoa, as razões da heteronímia.
A epopeia lírica de 1934, projecto de escrita começado em 1913, tem que ver com uma posição do poeta perante o seu tempo. Portugal, ao contrário de Inglaterra, não fez ciência para dominar, nem economia para explorar, nem política para exercer poder maquiavélico sobre o mundo. É a visão idealizada de Agostinho da Silva? Pode ser. Mas lendo Pessoa, aquelas cinco capacidades críticas que o autor da Mensagem pede aos leitores, coexistem em Agostinho da Silva: intuição, simpatia pelo simbólico, cultura, adesão às relações entre o que está em cima e o que está em baixo, e, enfim, a inteligência. Inteligência que analisa e decompõe. Se a epopeia de Pessoa é o momento em que Agostinho da Silva fala de Pessoa como falando de si próprio, e se, nessas páginas iniciais, se condena, com Pessoa, a paz podre duma Europa corrupta e dum Portugal vendido ao materialismo da Europa, a verdade é que os poemas que constituem as secções do livro de 34, são sinteticamente explicados. Cada uma das personagens da história (os sete poemas de Os Castelos, ou O Grifo, ou As Quinas) é como que escalpelizada: “Se a força de alicerce de