50 anos de Direito em Democracia. Congresso debate “avanços e recuos”
Cunha Rodrigues, Leonor Beleza, Correia de Campos, Nazaré Costa Cabral, Constança Urbano de Sousa, António Henriques Gaspar e a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, são alguns dos cabeça de cartaz. Concebido por Eduardo Paz Ferreira, o congresso conta com mais de 60 juristas e está integrado nas comemorações oficiais dos 50 anos do 25 de Abril. Jorge Miranda, Isabel Magalhães Colaço, Pitta e Cunha e Odete Santos vão ser homenageados.
Odesafio de fazer uma “reflexão global” sobre a construção do Estado de Direito em Portugal partiu de um “sonho” de Eduardo Paz Ferreira, professor jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). “Sou um fervoroso apoiante do 25 de Abril e, quando olhei para o programa da Comissão das Comemorações dos 50 Anos, verifiquei que não havia nada sobre Direito. Não fazia sentido, pensei. Porque nessa data foi substituído um Direito ditatorial, repressivo, por um Direito das liberdades. Então falei com o professor Eduardo Vera Cruz Pinto (diretor da FDUL) e metemos mãos à obra para organizar o congresso”, descreve ao DN.
Mais de 60 juristas vão intervir durante três dias neste megaencontro que se vai realizar na FDUL de 19 e 21 de março. O programa está feito e conta, logo na sessão de abertura, com nomes como o do ex-procurador Geral da República, Cunha Rodrigues, o ex-presidente do Tribunal de Justiça, António Henriques Gaspar, a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, os professores Eduardo Vera Cruz Pinto e Eduardo Paz Ferreira, num tema que promete marcar a sessão do dia: Ruturas e Continuidades.
“A construção do Estado de Direito em Portugal é um processo bem-sucedido que, todavia, não seguiu uma linha totalmente coerente. Há avanços e recuos, há mudanças de sentido, mas, de uma forma geral, a evolução foi no sentido de modernizar o Estado”, diagnostica Paz Ferreira, presidente do Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal (IDEFF) da FDUL.
“O país chegou a 1974 com um direito atrasadíssimo, conservadoríssimo, que suprimia liberdades e direitos básicos, nomeadamente às mulheres, e que do ponto de vista económico era avesso à concorrência e assentava num sistema corporativo que bloqueava o desenvolvimento”, lembra. No entanto, sublinha, “os bloqueios e perversões que existem hoje em algumas áreas do direito, nomeadamente no Penal, não
nos devem distrair da profunda transformação verificada em todos os ramos do direito nos últimos 50 anos e que tornaram Portugal um país mais livre, com mais direitos e um Estado mais moderno”.
No seu entender esses “bloqueios e perversões” explicam-se porque “os progressos da sociedade portuguesa e do direito foram muito importantes, mas também aumentaram muito as expectativas da população, em geral, e dos mais particulares, em especial, e nem sempre a resposta foi suficiente”. Assinala que “na Justiça, não tanto pela legislação portuguesa, mas devido à prática de alguns advogados, que se especializaram em dilatar prazos de processos, criou-se a ideia de que há uma justiça para ricos e outra para pobres”.
Por outro lado, “há ainda dificuldades com magistrados judiciais, que se envolvem em conflitos entre si e tomam decisões incompreensíveis para o grande público”.
Um terceiro aspeto que lamenta “é o facto de a Justiça se ter transformado, de alguma forma, numa es
pécie de circo mediático por conta de alguma comunicação social, criando a ideia de que a Justiça é pior do que realmente é”.
Do programa constam 12 áreas do direito que vão ser analisadas, com destaque para as que não existiam ou não estavam desenvolvidas antes do 25 de Abril, como o Direito de Família ou Direito do Trabalho. “A profunda alteração da Constituição e do regime de direitos, liberdades e garantias, o sistema de justiça da democracia, a entrada de Portugal nas Comunidades Europeias e o Direito Europeu, transformaram estruturalmente a vida jurídica do país: será estudada a evolução do direito à saúde e à segurança social, do regime económico vigente – a afirmação de um direito assente na regulação e na concorrência. Também no Direito Fiscal e das finanças públicas, no controlo dos dinheiros públicos, muito foi percorrido”, sintetiza uma nota de apresentação do congresso.
Nos mencionados 12 painéis serão oradores figuras, algumas mais conhecidas do grande público, como Miguel Prata Roque, no de “Direitos Fundamentais”; Rui Patrício e Inês Ferreira Leite no de “Organização Judiciária, Direito Penal e Processo Penal”; Vítor Gonçalves Gomes no de “Meios de resolução alternativa de litígios”; Leonor Beleza e Isabel Moreira no “Direito da Família”; José Tavares e Nazaré Costa Cabral no de “Direito Fiscal e das Finanças Públicas”; Miguel Moura e Silva no de “Direito da Regulação e da Concorrência”; Maria do Rosário Ramalho e Carmo Afonso, no de “Direito de Trabalho”; Pedro Verdelho no de “Direito Digital”; Elsa Dias Oliveira no de “Direito do Consumo”; Correia de Campos e Pedro Freitas no de “Direito da Saúde e da Segurança Social”; Ana Rita Gil e Constança Urbano de Sousa no de “Direito da Imigração”; e Nuno Cunha Rodrigues e Carlos Botelho Moniz no de “Direito Europeu”.
O encerramento será de José António Pinto Ribeiro sobre Novos desafios – 25 de Abril: passado e futuro.
De acordo com a organização, durante o congresso serão feitas homenagens a figuras com relevo nas conquistas de abril, no que diz respeito aos direitos: a Jorge Miranda, o professor da FDUL mais associado à Constituição da República Portuguesa de 1976; a Isabel Magalhães Colaço, primeira mulher doutorada em Direito em Portugal – e única até quase duas décadas depois do 25 de Abril – e responsável pela alteração do regime de Direito de Família; a Odete Santos, a falecida deputada do PCP e pioneira na defesa dos direitos dos trabalhadores e no desenvolvimento dos meios de resolução alternativa de litígio; e a Paulo de Pitta e Cunha, pelo seu labor na integração europeia de Portugal, tendo sido o fundador do Instituto Europeu da FDUL.
“A construção do Estado de Direito em Portugal é um processo bem-sucedido que, todavia, não seguiu uma linha totalmente coerente. Há avanços e recuos (...) no sentido de modernizar o Estado.” Eduardo Paz Ferreira Professor jubilado da FDUL
Do programa constam 12 áreas do direito que vão ser analisadas, com destaque para as que não existiam ou não estavam desenvolvidas antes do 25 de Abril, como o Direito de Família ou o Direito do Trabalho.