Flávia Silva “É preciso atuar na fonte do plástico que chega aos oceanos”
Ao DN, a responsável pela limpeza de lixo marítimo na Fundação Oceano Azul fala sobre o estado dos mares e faz o lançamento da Conferência dos Oceanos da ONU, que se realiza em 2025, em Paris.
Enquanto responsável pela limpeza do lixo marítimo na Fundação Oceano Azul, qual o seu ponto de vista sobre o futuro dos mares?
Aquilo que vem a verificar-se, na nossa costa e no mundo, é um aumentar do lixo marinho e da poluição, quer seja a difusa, quer a pontual. E vem crescendo, mesmo com todo o conhecimento que temos e que a ciência nos proporciona. No entanto, a aplicação das taxas e das normas de proibição dos itens de uso único, como os sacos de plástico, os talheres, os copos, resultaram, nos anos seguintes, numa redução drástica deste tipo de poluição. É um bom exemplo e mostra que as taxas e estas leis são efetivas.
Mas temos muitas outras centenas de itens que vamos encontrando todos os dias na praia, que continuam a crescer e a aumentar esse lixo marinho. Por isso, é preciso realmente fazermos algo em relação à fonte e identificá-la, quer seja na conceção do próprio produto em si, de como é produzido e depois comercializado, quer também no seu fim de vida, que tem ou não. O problema é ainda mais grave nos microplásticos, porque não conseguimos muitas vezes sequer identificar o problema. Em Portugal as limpezas são feitas naquilo que é visível a olho nu. Ou seja, tudo o que é maior do que uma beata de cigarro ou uma tampa de garrafa. Isso é aquilo que, normalmente, é recolhido. E os microplásticos e fragmentos menores do que dois centímetros acabam por ficar no areal. Se contarmos com esse tipo de resíduos, aumenta exponencialmente a quantidade de lixo que podemos reportar. Muitas vezes não se veem e até já são detetados no corpo humano, juntamente com plásticos mais pequenos. É um problema gigante, mas invisível. Por exemplo, aquilo [um derrame de esferas plásticas, chamadas pellets] que aconteceu no norte de Espanha, recentemente, tem um efeito grave. Os pellets, quando são encontrados na praia, muitas vezes confundem-se com pedras e areia daquele grau mais grosso. E muitas vezes os animais confundem-nos com ovos de outros animais e consomem-nos pensando estar a alimentar-se de ovos.
Falou em traçar o caminho até à origem e atacar logo aí. Como se pode fazer um combate mais incisivo até a outros materiais não-biodegradáveis?
Mais de 80% do lixo que se encontra nas praias e na costa é plástico. Se formos contabilizar com os microplásticos e nanoplásticos sobe aos 99%. Daí o foco nesse material. Mas encontramos muito lixo de outros tipos. É preciso atuar na fonte do plástico que chega aos oceanos. Tem sido feito muito trabalho, por exemplo, nos esfoliantes e no gel de banho. E as próprias indústrias já se comprometeram – até como resultado da pressão científica e da sociedade civil – a não incluírem mais estes plásticos nos seus produtos e passarem a utilizar produtos naturais. Muitas vezes, estas alterações partem exatamente desta pressão da sociedade civil. É preciso que cada vez mais sejam identificados estes problemas.
Por exemplo, aconteceu isso com os sacos de plástico. Antes das medidas [tomadas], estavam sempre no top-3 do lixo marítimo encontrado. Agora temos outro problema: as cápsulas de café. Passámos a ter esse lixo não só nas praias, como nas nossas lixeiras e aterros. Com todo o conhecimento científico que temos e todas as amostras, não devia ser permitido, sequer, sair para o mercado um novo produto destes, sabendo que vai ter um impacto grande, sem haver princípio, meio e fim de vida.
Qual o papel em concreto da Fundação Oceano Azul neste problema e nesta área? Como contribuem iniciativas como a Convenção das Organizações para um Oceano Limpo (COOL), que aconteceu em Lisboa?
Na Fundação, temos o programa Save the Future. Tem uma série de iniciativas que decorrem durante o ano, em que o núcleo são as organizações da sociedade civil. Lançamos o desafio de celebrarem várias datas específicas, em conjunto, para podermos ter um impacto maior a nível nacional. Acabamos por centralizar esta informação, ajudar na divulgação para chegar ao cidadão e passar o exemplo das limpezas costeiras para celebrar o Dia Internacional de Limpeza Costeira, que é em setembro.
No ano passado conseguimos mais de 10 mil cidadãos envolvidos nas limpezas de praia em oito dias. Tudo graças à participação de mais de 200 organizações e entidades da sociedade civil que, em todo o país, organizam estas ações nas suas comunidades e reúnem estas pessoas.
Esta edição do COOL juntou mais de 60 organizações numa sala, com mais de 100 pessoas. 80% destas organizações trabalham o lixo marinho. Isso significa que conseguimos partilhar informação. Por exemplo, nem todos estão cientes dos problemas dos microplásticos e aproveitamos para partilhar informação para que estas pessoas saiam daqui mais ricas e capacitadas para partilharem informações nas comunidades e nos públicos com quem trabalham. A COOL serve sobretudo para isso: partilhar experiências e conhecimentos nas mais diversas vertentes.
Esta edição foi focada na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC), que se realiza em Paris, em junho de 2025. A ideia é realmente que pensemos juntos como as organizações da sociedade civil se podem fazer ouvir e levar aquilo que é o mais importante.
Queria terminar justamente aí. Sei que ainda falta mais de um ano, mas qual é a sua expectativa para a Conferência dos Oceanos?
Acha que vão sair consensos importantes?
“As taxas e as normas de proibição dos itens de uso único, como os sacos de plástico, os talheres, os copos, resultaram, nos anos seguintes, numa redução drástica deste tipo de poluição.”
Esperamos certamente que sim. A expectativa da Fundação Oceano Azul é que realmente a Conferência das Nações Unidas sirva para alcançar várias das metas internacionais que estão a ser pedidas e aclamadas. Uma das coisas que consideramos que é muito importante e relevante – e que foi muito falada na COOL – é que a organização da conferência está cada vez mais aberta a ouvir e integrar os contributos e a participação da sociedade civil. A deixar que estas organizações se pronunciem, falem, exijam e possam participar nas decisões. E quisemos trazer para junto de nós estas organizações, para, durante este ano, prepararmos algo para poder ser apresentado como propostas concretas. E aquilo que fizemos na COOL foi já começar a reunir estas organizações, tentar preparar uma comissão organizadora para montarmos um projeto, uma ideia que possamos levar à conferência como um produto conjunto de Portugal e uma chamada de atenção ou uma exigência. Ainda vamos definir bem o quê com este grupo coordenador e, depois, a priori, incentivar a participação e a adesão do maior número possível de organizações nacionais. Vamos trabalhar durante este próximo ano exatamente para levar algo que nos represente a todos e que seja efetivo, muito claro e que retrate a vontade e a posição destas organizações.