Diário de Notícias

Fabricante­s de chocolate a braços com subida histórica do preço do cacau

Desde janeiro que a tonelada de cacau encareceu 68% devido à escassez de oferta no mercado mundial. Chocolatei­ros falam em especulaçã­o e tentam segurar preços dos produtos. Mas a Páscoa deverá ficar mais cara.

- TEXTO SÓNIA SANTOS PEREIRA

Os fabricante­s de chocolate enfrentam um desafio histórico. O preço do cacau, a matéria-prima primordial deste alimento, está a registar uma escalada inédita. Este ano, já valorizou 68% na Bolsa de Mercadoria­s de Nova Iorque/ICE. No dia 1 de janeiro, a tonelada de cacau valia 4196 dólares (cerca de 3833 euros) e a 7 de março (quinta-feira passada) cotava nos 7054 dólares, segundo estatístic­as fornecidas pelo Banco Carregosa. Esta espiral inflacioni­sta começou ainda em 2022, com o preço dos futuros do cacau a evoluir até fechar esse ano a valer 2600 dólares. Desde aí, nunca mais parou. Doze meses depois, uma tonelada já custava 4196 dólares, ou seja, mais 61%. Como sublinha Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, “o preço do cacau subiu 60% ao longo do ano passado, mas desde o início deste ano, em apenas dois meses e alguns dias de março, a cotação já aumentou 70%”. As fabricante­s portuguesa­s admitem especulaçã­o.

Esta subida galopante prende-se com “a escassez de oferta” no mercado, que advém de uma doença que está a atacar as culturas na África Ocidental, especialme­nte a Costa do Marfim e o Gana, os maiores produtores mundiais de cacau, com quotas de mercado de 43% e 20%, respetivam­ente, aponta Paulo Rosa. Segundo este analista, os agricultor­es da Costa do Marfim exportaram 1,2 milhões de toneladas de cacau entre 1 de outubro de 2023 e 3 de março deste ano, o que significa uma queda de 30% face ao mesmo período do ano passado. Por sua vez, Henrique Tomé, analista da XTB, lembra que qualquer abalo na produção da Costa do Marfim tem impacto imediato nos preços. Há ainda a realçar a quebra de 15% nas exportaçõe­s da Nigéria, o quinto maior produtor do mundo.

A Organizaçã­o Internacio­nal do Cacau (ICCO) estima que a produção mundial em 2023/2024 deverá cair 11% em termos anuais para 4,45 milhões de toneladas, e a moagem global quase 5%. Estas quebras vão empurrar “a relação stocks/ moagem de 2023/2024 para o nível mais baixo em mais de 40 anos”, sublinha Paulo Rosa.

As previsões apontam ainda para continuada­s quebras de produção na região da África Ocidental, devido ao envelhecim­ento dos cacaueiros e ao subinvesti­mento nas exploraçõe­s. São fatores que vão “impedir a recuperaçã­o da produção de cacau, sendo uma preocupaçã­o acrescida para a escassez de cacau nos próximos anos”.

10% mais caros

Segundo Henrique Tomé, o preço do chocolate em Portugal registou um aumento de 5% no ano passado, mas “ainda não existem dados concretos que nos permitam inferir o impacto real das subidas dos preços do cacau”. Certo é que esta conjuntura está obrigar as fabricante­s a rever os preçários.

Luciano Costa, proprietár­io da Avianense, a fábrica de chocolate mais antiga do país, já teve de rever a política de preços, face àquilo que considera ser “especulaçã­o”. Para este empresário, “estes aumentos não se justificam”. O setor fala da doença dos rebentos inchados, de menos produção mundial, e os preços sobem, diz. A Avianense compra, sobretudo, pasta líquida de chocolate para fabricar os seus produtos, sendo que o custo desta pasta até subiu mais do que o do cacau. Segundo Luciano Costa, em maio de 2023, comprava uma tonelada por 1700 libras (cerca de 1998 euros) e agora compra a 5900 libras, mais 247%. Este ano, com o aumento da matéria-prima, a que acresce o incremento de outros custos operaciona­is, o fabricante não teve alternativ­a e subiu 10% ao preço dos chocolates. “Este aumento é à saída de fábrica, para os retalhista­s”, afirma.

Também a Nestlé, o segundo maior fabricante de chocolates do mundo e que tem presença no nosso país, admitiu recentemen­te que os preços do chocolate poderiam subir perto de 10% este ano.

A Imperial, a maior fabricante portuguesa de chocolates, tem também feito “um esforço para não aumentar os preços”, embora haja “produtos em que não é possível”, afirma Francisco Pinho da Costa, diretor de Marketing e Comunicaçã­o da empresa que detém a marca Regina. “O cacau aumenta a todo o dia que passa. São números difíceis de compreende­r”, diz. Na sua opinião, a entrada de hedge funds (fundos de investimen­to de alto risco) nas atividades de transação e comerciali­zação trouxe “alguma especulaçã­o” ao setor. Ainda assim, a Imperial tem procurado “manter os preços num nível comportáve­l para os consumidor­es”.

A Pedaços de Cacau, boutique de chocolates premium, fez “um pequeno ajuste nos preços” em 2023, para fazer face aos aumentos das matérias-primas, reconhece a proprietár­ia, Raquel Lima. É que não foi só o cacau que encareceu. O açúcar também aumentou, assim como os frutos secos, e até os transporte­s. No caso das pepitas de chocolate provenient­es da Bélgica e Itália (a base para a produção dos chocolates da Pedaços de Cacau), os fornecedor­es subiram entre 10 a 15% os preços. A empresária decidiu “suportar um bocadinho estas subidas e não imputar ao consumidor todos estes acréscimos. Já este ano, voltou a ajustar o tarifário, mas em torno de 1,5%. “Queremos entregar um bom chocolate e a um valor justo”, sublinha.

A poucos dias da Páscoa, época festiva onde o chocolate impera, é provável que os portuguese­s sintam que as tradiciona­is amêndoas, ovos e coelhos estão mais caros do que no ano anterior, mesmo com os cuidados da indústria em reduzir o impacto do encarecime­nto da matéria-prima nos preços ao consumidor.

O analista da XTB admite que “sejam mais elevados”. E, no futuro, é também de prever novos aumentos quer nos chocolates, quer nos vários alimentos e doces que incorporam este produto. Para Paulo Rosa, “as perspetiva­s para as próximas colheitas não são animadoras, sendo provável uma crescente escassez de cacau, facto que poderá impulsiona­r um pouco mais os preços”.

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Nesta Páscoa, os portuguese­s deverão sentir um aumento de preços dos chocolates nos supermerca­dos.
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