Diário de Notícias

Atrizes: a injustiça necessária

Este domingo, a vitória de apenas uma das atrizes de entre as cinco nomeadas representa, antecipada­mente, uma injustiça necessária. Estamos perante um conjunto excecional, com interpreta­ções que não precisaram de quaisquer efeitos especiais para se destac

- TEXTO INÊS N. LOURENÇO

Por definição, os Óscares existem para premiar o que de melhor se fez/produziu na indústria cinematogr­áfica americana, e internacio­nal, ao longo do ano anterior. Certo. E nas suas diversas categorias sempre houve talento para dar e vender – pois, dirá o leitor, é essa a ideia por trás de uma nomeação... Mas ao olharmos para a categoria de Melhor Atriz este ano sentimos um arrepio: independen­temente de se apreciar mais ou menos os filmes onde as interpreta­ções se inserem, há uma noção clara de colheita excecional. No sentido em que cada uma das atrizes nomeadas deu realmente a pele à sua personagem, sem as “bengalas” mediáticas que, regra geral, concorrem para destacar uma ou outra interpreta­ção. Seja a bengala da transforma­ção física (recorde-se o Óscar que Jessica Chastain venceu pelo papel de Tammy Faye, debaixo de um autêntico projeto de maquilhage­m) ou a responsabi­lidade de encarnar uma lenda (e aqui podemos trazer à conversa Renée Zellweger, distinguid­a pela sua versão de Judy Garland). Méritos à parte, e sem simplifica­r nenhum dos casos, estes acabam por ser fatores determinan­tes no modo como se perceciona o trabalho performati­vo.

Ora este ano não há bengalas. A começar pela interpreta­ção de Lily Gladstone, vista como a vencedora antecipada – e, a confirmar-se, a primeira atriz indígena dos Estados Unidos a sentir o arrepio de ter um Óscar nas mãos –, que em Assassinos da Lua das Flores deu dignidade extrema à sua nativa da Nação Osage, Mollie, cujo rosto concentra a vertigem dos acontecime­ntos naquela comunidade.

Mas se o filme de Scorsese criou o contexto ideal para esta magnífica revelação, o que dizer de Maestro e Carey Mulligan? No papel de Felicia

Montealegr­e, o grande amor da vida de Leonard Bernstein, a atriz atingiu notas de uma maturidade palpável: é ver a confiança com que se oferece aos close-ups da lente de Bradley Cooper, como se nos sugasse para dentro da sua mágoa.

Já a alemã Sandra Hüller, na pele da escritora suspeita de homicídio do marido em Anatomia de Uma Queda, evidencia-se como o ponto de fascínio do filme de Justine Triet, pela sua eminente capacidade de

provar que não somos livros abertos aos olhos dos outros.

Finalmente, Emma Stone e Annette Bening, a jovem já oscarizada (La La Land) e a veterana cinco vezes nomeada, surgem como exemplos de tour de force irresistív­eis. Se, por um lado, Stone garante a Pobres Criaturas a sua coerência de proeza visual a rebentar pelas costuras, com uma interpreta­ção de vigor inesgotáve­l, Bening tem aquela arte rara de estar acima do filme: mais do que o biopic de uma nadadora de longo curso, Nyad é um encontro imediato com o corpo expressivo de uma atriz que transpira cinema por todos os poros.

É por tudo isto e mais qualquer coisa que, vencendo Lily Gladstone ou havendo uma surpresa, prevalece uma espécie de injustiça necessária. Cada uma destas atrizes esteve no seu melhor e o bloco de nomeações refletiu isso mesmo.

Uma palavra para os atores

Na categoria de Melhor Ator, por sua vez, as ligeiras assimetria­s já estão mais de acordo com o panorama comum que é, de facto, existirem interpreta­ções mais notáveis do que outras.

Apontado como o favorito, Cillian Murphyéuma­con sequência natural da projeção de Oppen hei mer,aop as soque Colman Domingo, por muito simpático que seja o seu protagonis­ta de Rustin, parece estar a cumprir a quota da diversidad­e. De resto, senão fosse o dito favoritism­o pelo semblante carregado do filme de Christophe­r Nolan, talvez a riqueza cómico-dramática de Paul Giamatti (Os Excluídos) e JeffreyWri­ght (American Fiction) tivessem hipóteses.

Mas a grande omissão gerida desta temporada de prémios, que se vai refletir na entrega dos Óscares, é mesmo Bradley Cooper. Assistir ao seu salto artístico como realizador e ator de Maestro foi impression­ante – assim como será mais ou menos impression­ante vê-lo sentado a bater palmas para outro vencedor...

A subjetivid­ade da justiça é tramada. Mas, afinal, senhoras e senhores, isto são só os Óscares.

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Lily Gladstone a caminho de se tornar a primeira atriz indígena norte-americana a vencer um Óscar?

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