Diário de Notícias

Aos 14 anos, em revolta permanente com o pai, desabafava no diário que não pedira para nascer e dizia, com o coração em brasa, que odiava os homens e as mulheres, a sociedade e o mundo, que estavam ‘podres’ e lhe davam ‘náuseas’.”

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Lady ou Mary Poppins, assistia à estreia do Festival RTP da Canção, não imaginando que, anos volvidos, estaria a apresentá-lo ao lado do seu alter ego masculino, o grande Eládio Clímaco, com o qual formou um dos duetos mais charmosos e mais elegantes da história da TV portuguesa.

De permeio, alguns namoricos inconseque­ntes, como aquele com Marcelo, e, compreensi­velmente, legiões de pretendent­es: “Acho graça ter tantos rapazes atrás de mim, mas as raparigas despertam mais a minha atenção. Há várias que me interessam. As adultas, não as da minha idade. Isso de ser homem também dá em nós ou é só nos rapazes?” (1961, 12 anos).

Com 13, começou a interessar-se pelas professora­s de Português e de Matemática, e, no ano seguinte, fumou o seu primeiro cigarro às escondidas. Estudava pouco, mas ia passando de ano, detestava as aulas de Lavores (“pegar numa agulha dá-me nervos”), gozava oVerão no Algarve, na companhia dos pais, ou no Hotel do Mar, em Sesimbra, ou ainda no Estoril, com uma amiga francesa que vivia em Paris e cujo pai, médico e afamado, lhe ofereceu um livro com os autógrafos das celebridad­es que iam ao seu consultóri­o tratar a garganta: Charles Aznavour, Dalida, Jean Marais, Catherine Deneuve, Françoise Hardy, Gilbert Bécaud e Brigitte Bardot, entre tantos outros.

Deslumbrou-se com Elizabeth Taylor e Richard Burton em Cleópatra, teve uma discussão com o pai sobre Valentina Tereshkova e o papel das mulheres, a morte de Kennedy deixou-a emocionada. Não muito depois, deslumbrou-se com Paris, onde, entre visitas aos impression­istas e a St.-Germain-des-Près, ainda arranjou tempo para uma “aventura amorosa”, desta feita com um rapaz belo, com “ar de príncipe”, que a beijou no cinema enquanto assistiam ambos às fitas de Zorba, o Grego.

Aos 14 anos, em revolta permanente com o pai, desabafava no diário que não pedira para nascer e dizia, com o coração em brasa, que odiava os homens e as mulheres, a sociedade e o mundo, que estavam “podres” e lhe davam “náuseas.” Aos 15, as “contradiçõ­es da Igreja” levaram-na a afastar-se de Deus. Aos 16, divagava sobre o suicídio. Aos 17, confessava ter medo, “medo de não poder ser feliz” (“como é que eu vou ser feliz se me sentir empurrada a ser quem não sou?”). Aos 18, largou o Curso de Românicas, então no 2.º ano, e saiu de casa, num gesto que, para uma jovem do seu meio social, foi de tremenda ousadia e coragem – e que a obrigou a fazer contas, juntando o dinheiro que um tio lhe dera de presente, as libras de ouro que tinha, o que podia ganhar com explicaçõe­s.

Foi então que escreveu ao pai, dizendo que adorara a experiênci­a na Emissora Nacional, e que tomara a

de tornar-se profission­al de teatro. A falta de dinheiro obrigou-a a comer pescada, que antes detestava, e ainda hoje confessa “andei uns anos a penar.”

O que depois se passou é de todos conhecido: depois de estudar no Conservató­rio, que abandonou sem completar o curso, estreou-se em 1968 na peça Cautela Libertino!, de Luigi Pirandello, levada à cena no Teatro da Trindade pela Companhia de Teatro Popular, dirigida por Francisco Ribeiro, o mítico Ribeirinho; no mesmo ano, teve a sua primeira aparição no cinema, em A Estrada daVida, de Henrique Campos; e, também em 1968, foi convidada para trabalhar como apresentad­ora na RTP, onde deu rosto e voz – e que voz! – a telejornai­s, concursos de misses e de outros, noites de cinema, programas culturais, cinco edições do Festival da Canção, etc., etc.

No currículo, vasto e frondoso, avulta uma colaboraçã­o com os Parodiante­s de Lisboa, em 1970; a apresentaç­ão do programa Taco a Taco, com Artur Agostinho, em 1973; o Miss Portugal de 1984 e de 1987; a autoria e apresentaç­ão de Cine-Teatro, com Eládio Clímaco, em 1984; as Noites de Gala, com João Maria Tudela, em 1987; o sorteio Lotaria Europeia, de 1994, e, no mesmo ano, do espectácul­o comemorati­vo do 20.º aniversári­o do 25 de Abril, para não falar do Festival OTI, dos Prémios RTC, dos Jogos Sem Fronteiras, do Grande Prémio da Música Popular Portuguesa (Providence, EUA, em 1992 e em 1994).

Em 1975, em pleno PREC, fez a sua primeira cena de nudez ao vivo, na peça Equus, Amargura para Um Cavalo, de Peter Shaffer, no Teatro Variedades. Dois anos depois, formou, com Zita Duarte, um grupo de teatro que levou à cena, no Cinema Quarteto, a peça AVerdadeir­a História de Jack, o Estripador, de Elizabeth Huppert, a qual, devido às suas cenas de nudez em palco (e à abordagem de temas como a homossexua­lidade e a prostituiç­ão), gerou enorme polémica na altura, mas também um enorme interesse por parte do público, a ponto de, dez dias antes da estreia, a sala já se encontrar esgotada para os dois

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