Diário de Notícias

A pergunta de um milhão de eleitores

- Filipe Garcia Subdirecto­r do Diário de Notícias

Eno final, são mais as perguntas que as respostas decorrente­s dos resultados das eleições legislativ­as deste fim de semana. É certo que, salvo alguma surpresa vinda do Círculo da Emigração, Luís Montenegro será chamado a formar Governo, que o PS ocupará a liderança da oposição, que o Chega terá, como nunca, voz na política portuguesa. É certo também que CDU e PAN resistiram ao desapareci­mento que muitos vaticinara­m, que o Bloco segurou o seu grupo parlamenta­r e que, à esquerda, se afirmou o Livre, agora com direito a quatro deputados. Mas as certezas ficam-se por aqui.

Que Governo conseguirá formar Montenegro? Quem serão os corajosos capazes de assumir posições de liderança num Executivo que pode nem passar do primeiro Orçamento? E o PS, estará pronto para olhar para dentro e perceber como passou, em pouco mais de um ano, de uma maioria absoluta para um papel secundário na política nacional? E à esquerda, estará alguém capaz de pensar no que acabou de acontecer?

Historicam­ente, era pela ala canhota que se capitaliza­vam os votos dos descontent­es, o famoso voto de protesto. Ontem, com estrondo, tornou-se clara a inversão.

E chegamos à pergunta de um milhão, no caso, de eleitores, a fasquia que ontem o Chega ultrapasso­u.

Serão muitos de extrema-direita, outros tantos vítimas de desinforma­ção e, porque não assumi-lo, da própria iliteracia, política ou cultural. Qualquer democrata, remotament­e informado, desmonta em minutos o discurso político do Chega, o partido, por exemplo, que se apresenta como pró-vida, mas cujo líder se diz a favor da atual legislação para a IVG. Mas não é pela política que o Chega cresce, não são as propostas para o país, muito menos são os quadros com que poderia integrar um Executivo.

Cresce o Chega por ser o veículo perfeito para interesses e lóbis variados ganharem influência? Cresce o Chega pelo discurso que apela aos mais básicos dos sentimento­s? Ou cresce o Chega porque apela a quem mais ninguém dedica atenção? Será que cresce o Chega porque são muitos os desencanta­dos com a política?

Esta parece ser a hipótese que podemos excluir: ontem a abstenção foi historicam­ente baixa e não é preciso ser sociólogo para perceber quem apareceu, em massa, para votar, para participar na política.

O eleitorado do Chega não só é numeroso como está pronto para o combate nas urnas. Mas, e agora?

Agora, chegou a hora de ver quanto valem os 48 deputados e o que tem o partido de Ventura para oferecer. A oportunida­de, se os partidos democrátic­os a souberem aproveitar, pode ser de ouro. Mas há uma conversa que tem de ser tida.

Parece improvável uma coligação do famoso Centrão, um filão que, todos sabem, Ventura aproveitar­ia como ninguém. PSD e PS juntos num pacto de regime seria um cenário idílico para quem vive de vociferar contra o sistema e do disparo de lugares comuns sobre problemas cuja resolução é fácil de apontar, mas complexa de por em prática. Juntos, PSD e PS deixariam a Ventura o papel de líder da oposição e, sabemo-lo, são sempre esses quem sucede aos líderes de Governo caídos em desgraça. Não imagino pior cenário.

Em pouco mais de 9,2 milhões de recenseado­s, ontem votaram 6,1 milhões e 1,1 deram o seu voto a Ventura. Agora, a pergunta, para esquerda e direita democrátic­as, é a mesma. Quem fala com o milhão de eleitores de Ventura? Sejam os polícias em manifestaç­ão, os algarvios com água racionada ou os que olham para Portugal como um antro de corrupção, minado pela ideologia de género, pejado de dependente­s de subsídios e perigosos imigrantes de que tanto Ventura fala?

A conversa não será fácil, mas é bom que alguém a tenha. Urgentemen­te.

Agora, chegou a hora de ver quanto valem os 48 deputados e o que tem o partido de Ventura para oferecer. A oportunida­de, se os partidos democrátic­os a souberem aproveitar, pode ser de ouro. Mas há uma conversa que tem de ser tida.”

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal