Diário de Notícias

Marcello Caetano fala para o Brasil

- TEXTO BRUNO HORTA

Marcello Caetano à revista brasileira O Cruzeiro: “Já se viu que as independên­cias prematuras não fizeram a felicidade dos povos africanos, nem lhes deram a liberdade?” A entrevista é noticiada pelo DN a 13 de março de 1974, com chamada de primeira página.

O título é um citação, mas aparece sem aspas: “É absurdo pensar que a África deve ser só para os pretos, quando nos outros continente­s sempre se admitiram os fenómenos das migrações e das colonizaçõ­es.”

Desde que Spínola fez publicar Portugal e o Futuro, o regime treme e repisa cá dentro e lá fora uma barragem de argumentos em favor da manutenção das colónias. O livro do general saiu a 22 de fevereiro de 74 e até ao fim do ano venderá 230 mil exemplares.

“Não larguei a obra antes de chegar à ultima página, por alta madrugada. E ao fechar o livro tinha compreendi­do que o golpe de Estado era inevitável”, escreveu Caetano no livro de memórias Depoimento, publicado já no exílio brasileiro, a seguir à Revolução.

É pois sob o signo de um golpe inevitável que o presidente do Conselho de Ministros se afadiga na retórica da “política ultramarin­a” portuguesa.

Quem o entrevista é Joaquim Ferreira Lagrosa, que se deslocara a São Bento. É o mesmo jornalista que, semanas antes. tinha estado com Caetano na Guiné e que escrevera na sua revista: “Na Guiné Portuguesa as áreas militar e administra­tiva funcionam com normalidad­e absoluta. Não há modificaçã­o a registar e tudo lá se processa como sempre em ordem”. Em rigor, a Guiné era já dada como perdida em face das terríveis derrotas militares dos portuguese­s.

O “Prof. Marcello Caetano”, como é referido, carrega nas tintas: a possível independên­cia da Guiné é uma “colossal mentira” e a de CaboVerde inviável. O “pequeno arquipélag­o” é “muito pobre” e vive “a braços com secas periódicas”, pelo que não tem “nenhumas condições de existência política independen­te”.

Caetano vaticina: “Já se viu que há imperialis­mos em marcha no mundo de hoje que procuram chamar a si território­s e povos ainda fora da sua influência. A África está a ser invadida lenta e subtilment­e pela China. Não tardará que tenha a confirmaçã­o cabal do que lhe digo”.

 ?? ?? ENTREVISTA O jornalista brasileiro Joaquim Ferreira Lagrosa esteve na Guiné e só viu normalidad­e. A seguir vem até Lisboa falar com o chefe do Governo e publica na revista O Cruzeiro. O regime está no fim e sabe isso. A defesa da guerra é já uma impossibil­idade.
ENTREVISTA O jornalista brasileiro Joaquim Ferreira Lagrosa esteve na Guiné e só viu normalidad­e. A seguir vem até Lisboa falar com o chefe do Governo e publica na revista O Cruzeiro. O regime está no fim e sabe isso. A defesa da guerra é já uma impossibil­idade.

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