A ânsia de poder do PSD e a má consciência do PR vão entregar a Ventura o melhor de dois mundos – não é responsabilizado pelo que o Governo AD (não) fizer, mas nenhuma política relevante avançará sem o seu acordo.”
Luís Montenegro demarcou-se de qualquer hipótese de um acordo de incidência governamental com o Chega com a mantra-promessa “Não é não!” Cantaram-se hossanas ao potencial dessa postura na conquista de eleitorado central. A estabilidade governativa logo se veria. O mantra consolidou-se com a estratégia eleitoral do medo alimentada pelo PS, a má consciência do PR e a opinião da generalidade dos analistas, tudo confluindo para a exclusão do Chega deste próximo Governo. Acabou numa vitória da AD com <30%, com o Chega a quadruplicar os deputados. O PSD tornou-se o novo partido-charneira, mas terá de negociar tudo e depende da boa vontade dos outros partidos. Ao PS compete ser uma oposição responsável, não fazendo sentido ser semi-parceiro de um bloco central, sobretudo depois da polarização da última campanha eleitoral. Ademais, se assim não for, o PS entrega a liderança da oposição ao principal partido antissistema, como sucede na Alemanha.
O Governo da AD não conseguirá aprovar orçamentos e legislação importante sem negociar com o Chega. Devido ao aclamado “Não é não!”, Montenegro está amarrado a uma âncora que inviabiliza qualquer veleidade de estabilidade política. Admitamos, porém, que o PSD até teria disponibilidade para um acordo em nome da estabilidade governativa. Que interesse terá Ventura em ser muleta de um Governo frágil, no preciso momento em que o Chega está em crescimento e congrega a quase totalidade do voto antissistema?
Apesar da [teatral] repetição veemente de que “não vai haver Governo à direita sem o Chega” nele, a verdade é que o Chega tem tanto empenho em entrar para o próximo Governo AD como o PCP e o BE tinham em entrar para o 1.º Governo Costa (os quais, com um mero acordo de apoio parlamentar, viram os seus eleitorados ser absorvidos pelo PS).
No novo ciclo de instabilidade política aberto pelo PR campeará o populismo, a demagogia e a política de terra queimada, o caldo favorito para o crescimento do Chega. Quanto mais tempo passa sem se melhorarem os problemas principais que afligem os cidadãos, mais o Chega arrebanha voto antissistema dos desiludidos com o regime.
Décadas de políticas públicas fracassadas (exceto nas de rendimentos e nas das Finanças Públicas) e de lideranças políticas medíocres, trouxeram-nos aqui. Todavia, era agora, quando está desprovido de quadros qualificados e não se lhe conhecem propostas de políticas públicas, para além de alguns soundbites histriónicos, que se devia exigir que o Chega integrasse o Governo de direita. Para ficar clara a sua incompetência e a mentira de “políticas alternativas”.
A ânsia de poder do PSD e a má consciência do PR vão entregar a Ventura o melhor de dois mundos – não é responsabilizado pelo que o Governo AD (não) fizer, mas nenhuma política relevante avançará sem o seu acordo. Luís Montenegro, que não tem condições para fazer qualquer reforma e perderá os próximos meses a renegociar o que prometeu na campanha a algumas corporações reivindicativas, está convencido de que o derrube do seu Governo, lá para o final do ano, abrirá o caminho a uma maioria absoluta pelo desejo de estabilidade política dos portugueses. Contudo, se o seu Governo não provar, quem crescerá será o Chega.