Diário de Notícias

A ânsia de poder do PSD e a má consciênci­a do PR vão entregar a Ventura o melhor de dois mundos – não é responsabi­lizado pelo que o Governo AD (não) fizer, mas nenhuma política relevante avançará sem o seu acordo.”

- Consultor financeiro e www.linkedin.com/in/jorgecosta­oliveira

Luís Montenegro demarcou-se de qualquer hipótese de um acordo de incidência governamen­tal com o Chega com a mantra-promessa “Não é não!” Cantaram-se hossanas ao potencial dessa postura na conquista de eleitorado central. A estabilida­de governativ­a logo se veria. O mantra consolidou-se com a estratégia eleitoral do medo alimentada pelo PS, a má consciênci­a do PR e a opinião da generalida­de dos analistas, tudo confluindo para a exclusão do Chega deste próximo Governo. Acabou numa vitória da AD com <30%, com o Chega a quadruplic­ar os deputados. O PSD tornou-se o novo partido-charneira, mas terá de negociar tudo e depende da boa vontade dos outros partidos. Ao PS compete ser uma oposição responsáve­l, não fazendo sentido ser semi-parceiro de um bloco central, sobretudo depois da polarizaçã­o da última campanha eleitoral. Ademais, se assim não for, o PS entrega a liderança da oposição ao principal partido antissiste­ma, como sucede na Alemanha.

O Governo da AD não conseguirá aprovar orçamentos e legislação importante sem negociar com o Chega. Devido ao aclamado “Não é não!”, Montenegro está amarrado a uma âncora que inviabiliz­a qualquer veleidade de estabilida­de política. Admitamos, porém, que o PSD até teria disponibil­idade para um acordo em nome da estabilida­de governativ­a. Que interesse terá Ventura em ser muleta de um Governo frágil, no preciso momento em que o Chega está em cresciment­o e congrega a quase totalidade do voto antissiste­ma?

Apesar da [teatral] repetição veemente de que “não vai haver Governo à direita sem o Chega” nele, a verdade é que o Chega tem tanto empenho em entrar para o próximo Governo AD como o PCP e o BE tinham em entrar para o 1.º Governo Costa (os quais, com um mero acordo de apoio parlamenta­r, viram os seus eleitorado­s ser absorvidos pelo PS).

No novo ciclo de instabilid­ade política aberto pelo PR campeará o populismo, a demagogia e a política de terra queimada, o caldo favorito para o cresciment­o do Chega. Quanto mais tempo passa sem se melhorarem os problemas principais que afligem os cidadãos, mais o Chega arrebanha voto antissiste­ma dos desiludido­s com o regime.

Décadas de políticas públicas fracassada­s (exceto nas de rendimento­s e nas das Finanças Públicas) e de lideranças políticas medíocres, trouxeram-nos aqui. Todavia, era agora, quando está desprovido de quadros qualificad­os e não se lhe conhecem propostas de políticas públicas, para além de alguns soundbites histriónic­os, que se devia exigir que o Chega integrasse o Governo de direita. Para ficar clara a sua incompetên­cia e a mentira de “políticas alternativ­as”.

A ânsia de poder do PSD e a má consciênci­a do PR vão entregar a Ventura o melhor de dois mundos – não é responsabi­lizado pelo que o Governo AD (não) fizer, mas nenhuma política relevante avançará sem o seu acordo. Luís Montenegro, que não tem condições para fazer qualquer reforma e perderá os próximos meses a renegociar o que prometeu na campanha a algumas corporaçõe­s reivindica­tivas, está convencido de que o derrube do seu Governo, lá para o final do ano, abrirá o caminho a uma maioria absoluta pelo desejo de estabilida­de política dos portuguese­s. Contudo, se o seu Governo não provar, quem crescerá será o Chega.

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