Mais que nunca, o DN
Éhoje o último dia em que a equipa que está no cabeçalho do jornal dirige o Diário de Notícias. Desde 13 de Novembro até 13 de Março foram apenas quatro meses, mas quatro meses em que o esforço, que por vezes raiava a insanidade, de fazer sair todos os dias um jornal com uma redacção reduzida ao esqueleto foi mais do que compensado pelo prazer de trabalhar com uma equipa dedicada, profissional e – mais do que tudo, neste momento de despedida – onde encontrei pessoas a quem gostaria de chamar amigos.
O Diário de Notícias é feito – ou era, até hoje – por 35 jornalistas. Não vou comparar com outros jornais diários, como o Jornal de Notícias, o Público e até mesmo o Observador, com redações com o dobro ou o triplo de jornalistas, e muitos, mas muitos mais, colaboradores nas áreas da Cultura, Espectáculos e Desporto. Quando esta direcção que hoje se despede – porque foi despedida – iniciou funções, a redacção era ainda menor. Connosco entraram 11 jornalistas, todos eles profissionais experimentados, respeitados, e com um currículo e uma carreira tanto na profissão, como na vida. que nada devem a ninguém a não ser ao seu profissionalismo e talento. Com três saídas entretanto efetuadas para outros títulos do grupo, o saldo dos “reforços no DN” foi de oito jornalistas.
Não vou, porque seria não só deselegante como desapropriado, comentar e desmontar as imbecilidades que se disseram, algumas certamente bem-intencionadas, mas nem por isso menos tolas, e outras não tão bem-intencionadas e nada tolas, mas pescando nas águas turvas do regionalismo bacoco e em revanches políticas, quando a então administração do grupo que é proprietário do DN e do JN anunciou a intenção de proceder a um despedimento coletivo no JN alegando a necessidade de equilíbrio financeiro, ao mesmo tempo que esta direcção do DN contratava reforços mais que necessários para revitalizar o jornal. Reforços que, repito, se saldaram em oito – oito! – jornalistas. E era com esta multidão que, como foi dito, o Diário de Notícias era uma flor que crescia sobre o anunciado cadáver do JN.
É agora a vez de o DN ser alvo de um despedimento colectivo. Seis desses oito jornalistas, além dos três membros da direcção, receberam ontem carta de despedimento. Alguns tinham deixado empregos estáveis e salários garantidos para abraçar o projecto que lhes tinha sido apresentado de investimento no crescimento do jornal, com mais reforços de jornalistas, gráficos e técnicos de informática para potenciar o indispensável crescimento na edição online, que é já o presente e o futuro do jornalismo.
É esse projecto, esse crescimento e o futuro do Diário de Notícias que volta a ter um ponto de interrogação. Um jornal que nos últimos meses tentou ser mais plural, abrindo as suas páginas a outras caras e outras vozes que não os engravatados do costume e os encartados dos favores escondidos e da publicidade encapotada, e que procurou mais reportagem, mais análise, mais país e mais mundo. Não pela nossa saída da direcção, porque ninguém é insubstituível e há certamente quem possa fazer melhor e obter melhores resultados, mas porque a maneira como todo o processo de despedimento foi conduzido nada augura de bom. Uma nova administração da GMG que mais de um mês após tomar posse nunca falou com a direcção do jornal, e uma nova Comissão Executiva que só a chamou uma semana após entrar em funções para lhe indicar a porta da rua.
Não por deselegância, falta de maneiras ou falta de educação, ingredientes de harmonia social e cortesias raras desde sempre deficitários nas redacções onde o que é de bom tom é falar curto, directo e grosso. É o desaparecimento de um projecto jornalístico, mesmo que incompleto e a que subitamente foi tirado o tapete com o não-pagamento de salários e compromissos e o não-investimento prometido, substituído não se sabe por quê.
Mas sabe-se porquê. Os despedidos, por coincidência todos contratados pela anterior administração, alegam as cartas de despedimento, ganham muito. É, portanto, um argumento economicista. Não é um saneamento. Não é uma vingança. Não é uma revanche. É uma poupança. Adjectivação à parte, é um desinvestimento. Na qualidade do jornalismo e no seu futuro.
Não sabemos qual o futuro do Diário de Notícias, nem que projectos, ideias, ou intenções lhe estão reservadas. Na semana passada, na despedida de um querido amigo de uma vida, encontrei comovido Marcelo Rebelo de Sousa que me abraçou com um desabafo que senti genuíno: “Não podemos deixar morrer o Diário de Notícias.”
Não, não podemos deixar morrer o Diário de Notícias. Não por nós, que somos transientes e dispensáveis, não pelos que com esforço e profissionalismo o fazem e vão continuar a fazê-lo todos os dias, nem sequer pelo empenho um pouco quixotesco de não deixar morrer um jornal com século e meio de existência e cuja luz, como uma lamparina esquecida de outras eras, se vai extinguindo num mundo cada vez mais de fogos fátuos e brilhos instantâneos. Num mundo onde a informação é cada vez mais transmitida e consumida por ecrãs de televisão, computador e telemóvel, parece que ler jornais é antiquado, desnecessário e inútil.
Mas não é. Mais que nunca, onde há um espectro que paira sobre Portugal de notícias falsas, mentiras e teorias da conspiração, o que faz falta, como diz a canção, é informar a malta. Que o Diário de Notícias continue a fazê-lo, e melhor se possível, é o que desejamos aos camaradas que o vão manter vivo. O DN não pode morrer. O Presidente da República, desabafos instantâneos e sentidos à parte, e todos os poderes públicos e privados não podem deixar morrer o Diário de Notícias. Sem jornalismo não há democracia. E não há liberdade.