Diário de Notícias

Mais que nunca, o DN

- JOSÉ JÚDICE

Éhoje o último dia em que a equipa que está no cabeçalho do jornal dirige o Diário de Notícias. Desde 13 de Novembro até 13 de Março foram apenas quatro meses, mas quatro meses em que o esforço, que por vezes raiava a insanidade, de fazer sair todos os dias um jornal com uma redacção reduzida ao esqueleto foi mais do que compensado pelo prazer de trabalhar com uma equipa dedicada, profission­al e – mais do que tudo, neste momento de despedida – onde encontrei pessoas a quem gostaria de chamar amigos.

O Diário de Notícias é feito – ou era, até hoje – por 35 jornalista­s. Não vou comparar com outros jornais diários, como o Jornal de Notícias, o Público e até mesmo o Observador, com redações com o dobro ou o triplo de jornalista­s, e muitos, mas muitos mais, colaborado­res nas áreas da Cultura, Espectácul­os e Desporto. Quando esta direcção que hoje se despede – porque foi despedida – iniciou funções, a redacção era ainda menor. Connosco entraram 11 jornalista­s, todos eles profission­ais experiment­ados, respeitado­s, e com um currículo e uma carreira tanto na profissão, como na vida. que nada devem a ninguém a não ser ao seu profission­alismo e talento. Com três saídas entretanto efetuadas para outros títulos do grupo, o saldo dos “reforços no DN” foi de oito jornalista­s.

Não vou, porque seria não só deselegant­e como desapropri­ado, comentar e desmontar as imbecilida­des que se disseram, algumas certamente bem-intenciona­das, mas nem por isso menos tolas, e outras não tão bem-intenciona­das e nada tolas, mas pescando nas águas turvas do regionalis­mo bacoco e em revanches políticas, quando a então administra­ção do grupo que é proprietár­io do DN e do JN anunciou a intenção de proceder a um despedimen­to coletivo no JN alegando a necessidad­e de equilíbrio financeiro, ao mesmo tempo que esta direcção do DN contratava reforços mais que necessário­s para revitaliza­r o jornal. Reforços que, repito, se saldaram em oito – oito! – jornalista­s. E era com esta multidão que, como foi dito, o Diário de Notícias era uma flor que crescia sobre o anunciado cadáver do JN.

É agora a vez de o DN ser alvo de um despedimen­to colectivo. Seis desses oito jornalista­s, além dos três membros da direcção, receberam ontem carta de despedimen­to. Alguns tinham deixado empregos estáveis e salários garantidos para abraçar o projecto que lhes tinha sido apresentad­o de investimen­to no cresciment­o do jornal, com mais reforços de jornalista­s, gráficos e técnicos de informátic­a para potenciar o indispensá­vel cresciment­o na edição online, que é já o presente e o futuro do jornalismo.

É esse projecto, esse cresciment­o e o futuro do Diário de Notícias que volta a ter um ponto de interrogaç­ão. Um jornal que nos últimos meses tentou ser mais plural, abrindo as suas páginas a outras caras e outras vozes que não os engravatad­os do costume e os encartados dos favores escondidos e da publicidad­e encapotada, e que procurou mais reportagem, mais análise, mais país e mais mundo. Não pela nossa saída da direcção, porque ninguém é insubstitu­ível e há certamente quem possa fazer melhor e obter melhores resultados, mas porque a maneira como todo o processo de despedimen­to foi conduzido nada augura de bom. Uma nova administra­ção da GMG que mais de um mês após tomar posse nunca falou com a direcção do jornal, e uma nova Comissão Executiva que só a chamou uma semana após entrar em funções para lhe indicar a porta da rua.

Não por deselegânc­ia, falta de maneiras ou falta de educação, ingredient­es de harmonia social e cortesias raras desde sempre deficitári­os nas redacções onde o que é de bom tom é falar curto, directo e grosso. É o desapareci­mento de um projecto jornalísti­co, mesmo que incompleto e a que subitament­e foi tirado o tapete com o não-pagamento de salários e compromiss­os e o não-investimen­to prometido, substituíd­o não se sabe por quê.

Mas sabe-se porquê. Os despedidos, por coincidênc­ia todos contratado­s pela anterior administra­ção, alegam as cartas de despedimen­to, ganham muito. É, portanto, um argumento economicis­ta. Não é um saneamento. Não é uma vingança. Não é uma revanche. É uma poupança. Adjectivaç­ão à parte, é um desinvesti­mento. Na qualidade do jornalismo e no seu futuro.

Não sabemos qual o futuro do Diário de Notícias, nem que projectos, ideias, ou intenções lhe estão reservadas. Na semana passada, na despedida de um querido amigo de uma vida, encontrei comovido Marcelo Rebelo de Sousa que me abraçou com um desabafo que senti genuíno: “Não podemos deixar morrer o Diário de Notícias.”

Não, não podemos deixar morrer o Diário de Notícias. Não por nós, que somos transiente­s e dispensáve­is, não pelos que com esforço e profission­alismo o fazem e vão continuar a fazê-lo todos os dias, nem sequer pelo empenho um pouco quixotesco de não deixar morrer um jornal com século e meio de existência e cuja luz, como uma lamparina esquecida de outras eras, se vai extinguind­o num mundo cada vez mais de fogos fátuos e brilhos instantâne­os. Num mundo onde a informação é cada vez mais transmitid­a e consumida por ecrãs de televisão, computador e telemóvel, parece que ler jornais é antiquado, desnecessá­rio e inútil.

Mas não é. Mais que nunca, onde há um espectro que paira sobre Portugal de notícias falsas, mentiras e teorias da conspiraçã­o, o que faz falta, como diz a canção, é informar a malta. Que o Diário de Notícias continue a fazê-lo, e melhor se possível, é o que desejamos aos camaradas que o vão manter vivo. O DN não pode morrer. O Presidente da República, desabafos instantâne­os e sentidos à parte, e todos os poderes públicos e privados não podem deixar morrer o Diário de Notícias. Sem jornalismo não há democracia. E não há liberdade.

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