Divórcio e pílula? Grandes pecados
Há cinco décadas, enquanto Portugal vivia uma ditadura, os vizinhos europeus também não viviam grandes momentos em termos de direitos, especialmente as mulheres. O DN noticiou a 14 de março de 1974 o lançamento de uma campanha “oficial” do Vaticano contra o aborto, os métodos contracetivos e o divórcio. O objetivo principal era banir da lei italiana o direito ao divórcio, aprovado em 1970 pelo Parlamento do país.
Foi a primeira declaração pública do Papa Paulo VI após o Governo de Itália anunciar um plebiscito que consultaria a população sobre o direito ao divórcio. A consulta estava marcada para o dia 12 de maio daquele ano. O texto dava conta de consequências terríveis para as sociedades que “tolerassem” tais situações. “Toda a sociedade que ignore o papel da família estará condenada a tornar-se pó dos indivíduos, desenraizados, vítimas de um trágico isolamento ou ditadura cruel.. E acrescentou outras consequências como a “dissolução” ou “escravização”.
O discurso era bastante incisivo, sem deixar margem para interpretações dúbias, especialmente aos políticos da época, o que deixava clara a falta de laicidade do Estado .“As atitudes morais estão dependentes da nobreza ou franqueza dos corações humanos, mas dependem também das suas condições sociais e das leis que os próprios criaram para se regerem. Neste último ponto, os cristãos não podem abdicar das suas responsabilidades .”
Havia ainda uma referência direta aos casais, que, reiteradamente, tinham de ficar juntos para sempre, não importando o que acontecesse, como violência doméstica, deixar de amar o parceiro ou qualquer outro facto. “O amor dos casais deve poder apoiar-se com firmeza, na unidade e indissolubilidade da união.” O discurso do pecado e da falsa natureza do ser humano também não podia ficar de fora. “Muitos dos requisitos que assinalou estão na natureza humana que é boa, mas ferida pelo pecado, que, deste modo às vezes parecem impossíveis aos não-cristãos.”
A notícia era de 1974, mas 50 anos depois e muito perto do 25 de Abril, este jornal também noticiou a vontade de um político, que estava em campanha eleitoral, de criar um novo referendo para consultar a população portuguesa sobre o direito ao aborto. Afinal, 1974 e 2024 possuem algumas semelhanças.