Análise Germano Almeida
“É mais forte quem vê a situação, quem pensa nas pessoas, quem tem a coragem da bandeira branca, para negociar. E hoje pode negociar-se com a ajuda das potências internacionais. A palavra negociar é uma palavra corajosa. Quando você vê que está derrotado, que as coisas não estão a ir bem, precisa de ter a coragem de negociar. Com quantas mortes isso vai acabar? É preciso negociar em tempo, procurar algum país para mediar.”
PAPA FRANCISCO, entrevista a Lorenzo Bucella, Rádio Televisão Suíça
“Durante a Segunda Guerra Mundial ninguém falou de negociações de paz com Hitler”.
RESPOSTA DA EMBAIXADA DA UCRÂNIA NOVATICANO, às palavras do Papa Francisco
Oque levará o Papa Francisco – referência moral do nosso tempo – a assumir uma posição tão errada sobre o que verdadeiramente está em causa?
Não deveria ser claro para o chefe da Igreja Católica que, primeiro, é preciso fazer parar o agressor? E que se torna urgente proteger o agredido? Sem essas duas premissas, qualquer negociação seria moralmente inaceitável.
Sim, o Papa quer verdadeiramente a Paz. E sim: terá sido isso que o levou a cair (já não é a primeira vez desde 24 de fevereiro de 2022) na falsa equivalência de pôr de igual para igual invasor e invadido.
No exemplo acima, Francisco foi mais longe: colocou o ónus na vítima e incitou-a a ceder, em nome de um suposto apaziguamento.
Onde estaríamos hoje se tivéssemos dado essa benesse a Hitler nos Anos 40 do século passado? Onde já estariam as tropas de Putin se a Ucrânia não tivesse recebido ajuda militar e financeira do Ocidente (sobretudo de EUA, Alemanha e Reino Unido), nestes 24 meses e meio?
Mas a dimensão do erro de Francisco é maior. Porque nas suas palavras está incluído o pressuposto de que a Ucrânia está condenada. Que já não haverá mais nada a fazer, pelo que, para evitar que mais gente morra, o melhor será levantar “a bandeira branca”. Ou seja, a rendição do mais fraco e vulnerável.
Vindo de quem, em tantas ocasiões desde 2013, se mostrou corajosamente ao lado dos mais frágeis, afrontando o poder dos mais fortes, choca ainda mais.
O erro está feito – e vai deixar danos
O erro foi tão grande que o secretário de Estado doVaticano, o cardeal Pietro Parolin, se sentiu na necessidade de esclarecer que é a Rússia que tem a principal responsabilidade de iniciar um cessar-fogo na Ucrânia para permitir que haja negociações de paz. Mas, com o devido respeito, o cardeal Parolin não é o Papa Francisco.
OVaticano insiste que o principal objetivo é criar “condições para uma solução diplomática em busca de uma paz justa e duradoura”. De acordo. Paz justa e duradoura: logo, se “justa”, nunca poderá premiar o agressor; se “duradoura”, então implica criar uma arquitetura de segurança que trave a Rússia de voltar a ter ímpetos imperiais. Uma Ucrânia a ceder território, “realisticamente”, não seria dar à Rússia motivos para voltar a atacar mais tarde?
A gestão de danos do cardeal Parolin até revela uma insistência por aspetos profundamente errados: “É óbvio que a criação de tais condições não cabe apenas a uma das partes, mas sim a ambas”. Ambas? “A primeira condição parece-me ser precisamente a de pôr fim à agressão.”
Certo. Sem isso, o único caminho moralmente aceitável é dotar a Ucrânia das condições para resistir enquanto tiver forças para isso: para defender a sua integridade territorial, a sua soberania, a sua independência, as suas livres escolhas. E ajudar a Ucrânia a tentar reconquistar o que a Rússia lhe ocupa pela guerra.
Voltemos ao argumentário de controlo de danos doVaticano: “O Santo Padre explica que negociar não é fraqueza, mas força. Não é rendição, mas é coragem”, insiste o cardeal Parolin.
Negociar em vulnerabilidade não é criar uma paz justa
Vejamos: negociar pode ser corajoso, mas só se for numa condição capaz de oferecer uma solução justa. Sinalizar, como o Papa sinalizou, que é tempo de a Ucrânia negociar – numa fase como esta, em que a Rússia está em grande superioridade no terreno e ocupa mais de 20% do território – seria entregar aos russos uma vitória miserável, que os levaria a sentirem-se empoderados a tentar mais. Basta olhar para o padrão de comportamento de Putin desde 2008.
O que é que isso significaria para a segurança da Moldávia e da Geórgia, espaço pós-soviético, sem terem cobertura NATO? E mesmo dos bálticos (Estónia, Letónia, Lituânia), que estão na NATO, mas são antigas repúblicas soviéticas e também têm focos de possível argumentação de Putin de ter de “defender os interesses dos russófonos”, alegadamente perseguidos, na narrativa mentirosa do Kremlin?
Exigia-se mais equidade moral e até estratégica a um líder da dimensão do Papa Francisco.
Um episódio destes deixa danos graves. E os ucranianos já têm passado por tanto nestes 749 dias.
“A época do pós-guerra acabou”
Na mesma linha, Joe Biden sentencia: “Não podemos virar as costas à Ucrânia. A História está a olhar para nós.”
A mensagem tem um destinatário claro: Mike Johnson, o speaker republicano da Câmara dos Representantes.
Uma das ideias do encontro polaco-americano, numa preparação para a Cimeira da NATO emWashington (9-11 julho) aponta para uma necessidade de aumentar o objetivo dos 2% do PIB para a Defesa de cada membro da Aliança, elevando a fasquia para os 3%.
Capricho? Infelizmente, não: necessidade com tons de urgência. Andrzej Duda, o presidente polaco, avisa: “Putin mudou a economia russa para o modo de guerra e está a atribuir 30% do Orçamento anual para se armar. Um regresso ao statu quo antes da guerra não é possível. As ambições imperialistas da Rússia e o revisionismo agressivo estão a empurrar Moscovo para um confronto direto com a NATO, com o Ocidente e, em última análise, com todo o mundo livre.”
A 10 de abril, os líderes dos EUA e Japão vão reunir-se para acelerar a produção conjunta de Defesa. Joe Biden e o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, vão reunir-se emWashington para “reforçar o sistema de produção conjunta” de equipamentos de Defesa, com o objetivo de enviar mais armas para a Ucrânia.
A Ucrânia e o risco de “futuro sombrio”
A hora da verdade está a chegar para a Ucrânia: um funcionário dos serviços secretos europeus afirmou que Moscovo está em vantagem na “guerra de produção” com a Ucrânia, uma vez que está a produzir o triplo das munições de artilharia que os EUA e a Europa para a Ucrânia. Ou esta correlação de forças muda, ou a Ucrânia perderá mais território nos próximos meses.
William Burns, diretor da CIA e antigo Embaixador dos EUA em Moscovo, vai mais longe: “Prevejo um futuro sombrio para a Ucrânia. Se os Estados Unidos não avançarem com ajudas adicionais, a situação da Ucrânia pode ser catastrófica: grandes perdas territoriais, Kiev pode estar em risco.
E depois há Trump e o risco de voltar: Orbán foi a Mar-a-Lago e depois do encontro com o ex-presidente que quer ser futuro dos EUA, atirou: “Donald disse-me que se ganhar não vai dar mais um cêntimo à Ucrânia.”
Dias de sombra e escuridão.