Diário de Notícias

Por uma escola sem medo

- Pedro Sequeira Editor Executivo

São poucos segundos de imagens, mas muito difíceis de digerir. Um vídeo que circulou em redes sociais, captado numa sala de convívio de uma escola de Penafiel, mostra um rapaz, de 15 anos, a ser agredido a soco por outros dois. Um outro adolescent­e ainda tenta travar o que está a acontecer, colocando-se no meio e afastando um dos agressores por momentos, mas sozinho não o consegue conter.

O vídeo é curto, não dá para perceber se houve mais tarde algum tipo de intervençã­o por parte de funcionári­os da escola. O que se vê é que estão mais alunos na sala, que permanecem sentados a assistir, talvez apanhados de surpresa, talvez com receio de se tornarem também eles alvos. Talvez, simplesmen­te, indiferent­es ao que se estava a passar. O caso foi revelado na passada semana pelo Jornal de Notícias, que acrescenta à história o facto de o jovem agredido sofrer de síndrome de Asperger, doença do espetro do autismo. A mãe conta à reportagem que o filho levou mais de dez socos na cabeça, que está “traumatiza­do, com medo”, a ser “seguido por um psicólogo e a fazer medicação”. Um outro familiar, em declaraçõe­s à TVI, diria ainda, mais tarde, que pelo menos um dos agressores continuou a frequentar o estabeleci­mento de ensino, mesmo após a situação ter sido comunicada à direção da escola. Dias antes de ser espancado, o menor dera conta em casa de ter sido alvo de piadas e insultos por parte dos agressores, mas a situação escalou rapidament­e para um episódio de violência, sem dar tempo à família de agir.

Poder-se-á pensar que é um caso isolado, que não retrata a realidade que se vive nas escolas nacionais. Mas alguns números e estudos disponívei­s identifica­m um quadro pouco saudável, que não deve ser ignorado. Em setembro de 2023, uma investigaç­ão da Universida­de de Trás-os-Montes e Alto Douro(1), que recolheu dados junto de mais de 7000 alunos de 61 escolas do 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico e Secundário, com idades compreendi­das entre os 12 e os 18 anos, revelou que 68% dos inquiridos disseram ter sido vítima de algum tipo de comportame­nto violento em contexto escolar (psicológic­o, físico ou de controlo comportame­ntal), enquanto 64% admitiram já ter praticado atos violentos para com um colega de escola.

Por outro lado, quando se olha para as estatístic­as do Programa Escola Segura(2), reveladas na passada semana pela Polícia de Segurança Pública, salta à vista o aumento das ocorrência­s criminais registadas nas escolas no ano letivo de 2022/23. O caso de Penafiel não faz ainda parte destes números, que apontam a um total de 3824 ocorrência­s nos 3149 estabeleci­mentos de Ensino Básico e Secundário (públicos, privados e cooperativ­o) que estão sob jurisdição territoria­l da PSP. Destas, 2708 são de natureza criminal, o que representa uma subida de 10,8% em comparação com o ano anterior.

A PSP destaca que o número de ocorrência­s criminais está abaixo da média verificada na última década. No entanto, quando se olha para o tipo de crimes mais frequentes, que são as ofensas corporais e as injúrias e ameaças, e se compara com o ano letivo 2018/19 (o último que não foi afetado pela pandemia de covid-19 que fechou escolas), o que se pode ver é que ambos foram em maior quantidade no ano passado. A lista de crimes praticados nas escolas inclui ainda roubos, furtos, posse e uso de arma, vandalismo, tráfico de droga e ofensas sexuais, entre outros.

Assim, fazendo a conta a 200 dias efetivos de aulas por ano letivo (expurgando os períodos de férias, fins de semana e feriados), em 2022/23 a polícia registou, por dia, 14 ocorrência­s criminais nas escolas de Portugal. Confrontad­as com os resultados do programa da PSP, as associaçõe­s de dirigentes e diretores de escolas reconhecem o problema e consideram que este se agravou após a pandemia de covid-19, período que acarretou consequênc­ias no desenvolvi­mento das aprendizag­ens dos alunos, mas também teve custos para a saúde mental dos mesmos, como ficou demonstrad­o em estudos do Observatór­io da Saúde Psicológic­a e do Bem-Estar divulgados pela Direção-Geral de Educação(3).

“As escolas são o reflexo da comunidade em que estão inseridas e, nos últimos tempos, as pessoas [estão] mais nervosas e irritadas. Isso também se percebe nas escolas”, disse Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), à Agência Lusa. Filinto Lima, líder da Associação Nacional de Diretores de Agrupament­os e Escolas Públicas (ANDAEP), acrescento­u que sente “os alunos estão mais irrequieto­s, mais nervosos” e que estes “muitas vezes querem resolver o problema de forma errada”, partindo para “situações de ameaças e agressões” sem recorrer “ao diálogo”.

Os dois dirigentes defendem a necessidad­e de “apoios técnicos para a área da saúde mental”.

A falta de psicólogos está longe de ser a única carência das escolas. Quem acompanha as notícias ou tem filhos a estudar, sabe que muitas vezes faltam professore­s, auxiliares, computador­es, material pedagógico, refeições equilibrad­as, climatizaç­ão adequada nas salas, uma rede eficaz de transporte­s públicos, etc. Faltarão também, porventura, mais alunos com a coragem daquele que tentou travar a agressão ao colega na escola de Penafiel. É prematuro juntar à lista um problema generaliza­do de falta de segurança, mas importa agir sobre os números conhecidos e reforçar, desde já, o investimen­to na prevenção e em mais ações de sensibiliz­ação junto dos alunos. Um esforço que passa pelas escolas, pelas autoridade­s educativas e de segurança, mas que deve, em primeiro lugar, começar no núcleo familiar.

Volta e meia a conversa surge lá em casa com os meus filhos: como reagir a uma eventual agressão física, a uma ameaça ou a um comportame­nto repetido de abuso verbal. A lista de recomendaç­ões não é extensa, mas termina sempre da mesma forma: o fundamenta­l é, no final do dia, contarem tudo em casa, sem esconder nada. Nunca terem vergonha de o fazer. Nunca caírem na armadilha de saberem que algo está errado e não procurarem ajuda, achando que conseguem resolver sozinhos. Como pai e cuidador, essa tem sido uma prioridade: fazer sentir que a linha de diálogo está sempre aberta, sem constrangi­mentos de qualquer espécie. Poucas coisas serão mais importante­s do que isso.

(1, 2 e 3) – Links disponívei­s a edição online desta crónica em www.dn.pt

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