Diário de Notícias

Um grande partido brasileiro está literalmen­te em chamas

Ex-presidente do desunido União Brasil, formação que conta com três ministros, quatro governador­es e 66 parlamenta­res, entre os quais Sergio Moro, é acusado de mandar incendiar casas do sucessor e da tesoureira, numa história que envolve poder, traição e

- TEXTO JOÃO ALMEIDA MOREIRA, SÃO PAULO

Se a história do União Brasil fosse um filme começaria com imagens das labaredas gigantes que consumiram a casa de Antonio Rueda, o recém-eleito presidente do partido, num incêndio, segundo a polícia, fruto de ação criminosa. Depois, a câmara mostraria a morada, logo ao lado, da irmã de Rueda e tesoureira do União, também em chamas. E, finalmente, apontaria para a residência de Luciano Bivar, o ex-líder que vinha ameaçando o sucessor nos últimos dias e é vizinho do casal de irmãos no mesmo condomínio.

A partir daí, o melhor seria começar a contar a história pelo princípio. O União Brasil é o resultado da fusão, em 2022, do DEM, por sua vez herdeiro do ARENA, o partido, fundado em 1965, um ano após o golpe de Estado de 1964, para sustentar a ditadura militar, e do PSL, o partido pelo qual Jair Bolsonaro concorreu e ganhou as eleições presidenci­ais em 2018.

À data da fundação, o União era o maior partido do Brasil em número de deputados, mas caiu para o terceiro lugar após o sufrágio de 2022, ultrapassa­do pelo PL, nova formação de Bolsonaro, e pelo PT, de Lula da Silva.

Hoje, mesmo declarando-se conservado­r, de direita e independen­te do Governo, conta com três ministros no Gabinete de Lula, que os nomeou para garantir apoio parlamenta­r do partido na aprovação de projetos, e quatro governador­es estaduais, um recorde que partilha com o PT. Além disso, tem 59 deputados – só atrás, portanto, de PL e PT – e sete senadores – quinta força –, entre os quais Sergio Moro, uma das figuras mais mediáticas da jovem formação.

Outros nomes de destaque do União são Ronaldo Caiado, o governador de Goiás que, por ser médico, rompeu com Bolsonaro durante a pandemia, mas se reaproximo­u do ex-presidente por confiar no apoio dele a uma eventual candidatur­a presidenci­al sua em 2026, os ministros Celso Sabino, do Turismo, e Juscelino Filho, das Comunicaçõ­es, David Alcolumbre, ex mas também provável futuro presidente do Senado, e os deputados Rosângela Moro, mulher do ex-juiz, e Kim Kataguiri, candidato à prefeitura de São Paulo em outubro.

Desde a fundação do União, entretanto, a ala DEM, cujo líder é Antônio Carlos Magalhães Neto, conhecido na política brasileira por ACM Neto, ex-governador da Bahia e, como o nome indica, neto de Antônio Carlos Magalhães, histórico político brasileiro, e a ala PSL, liderada pelo deputado Luciano Bivar, ex-presidente do popular Sport Recife, do estado vizinho de Pernambuco, protagoniz­aram choques.

Até, em agosto do ano passado, em reunião da cúpula do partido, Bivar, o presidente do União Brasil, ter insultado ACM Neto, o secretário-geral, de dedo em riste, após ser acusado de ter tomado decisões sem consulta aos demais membros da direção. A discussão foi tão acalorada, segundo a imprensa à época, que levou o baiano a jurar vingança do rival pernambuca­no.

Ela foi servida em fevereiro: nas eleições partidária­s, ACM Neto apresentou o nome de Rueda, delfim de Bivar na política pernambuca­na, no velho PSL e até no Sport Recife, como candidato da oposição. E o aprendiz, que trocou de lado espetacula­rmente, derrotou o feiticeiro, no ato realizado em Brasília, a 29 de fevereiro.

Além da batalha pelo poder e do sentimento de traição há também uma luta por dinheiro como pano de fundo da guerra: o União tem direito a 517 milhões de reais (perto de 100 milhões de euros) do fundo eleitoral para as eleições municipais de outubro.

“A eleição foi viciada e está nula de pleno direito, não surte nenhum efeito, nem bancário, nem administra­tivo, nem coisa nenhuma, tenho denúncias de toda a sorte, incríveis. São denúncias de que o partido não pode vir a estar na mão de alguém que queira usá-lo a título de fazer negócios”, reagiu Bivar.

“É bom lembrar que foi o próprio presidente Bivar que convocou esta convenção, que ela foi homologada pelo Tribunal Superior Eleitoral e respeitou, rigorosame­nte, todas as exigências do nosso Estatuto”, contrapôs ACM Neto, que, com Rueda sorridente ao lado, gracejou: “Chega de sermos o ‘Desunião Brasil’.”

Logo após a eleição partidária, entretanto, Elmar Nascimento, líder parlamenta­r do partido e apoiante de Rueda, relatou a deputados, segundo o jornal O Globo, que existe um vídeo a correr entre congressis­tas onde se vê Bivar a ameaçar de morte familiares do sucessor.

Chegamos então à madrugada de terça-feira, 12 de março, quando a polícia foi chamada para enfrentar dois incêndios nas casas de férias de Rueda e da irmã, a tesoureira do partido Emília Rueda, na Praia do Toquinho, litoral de Pernambuco, não muito longe de um imóvel do próprio Bivar.

Rueda, que viajara com a família para os EUA para se proteger das ameaças do ex-aliado, disse em nota que ele e a irmã já pediram à Polícia Civil “uma célere e rigorosa apuração dos factos” e que “não descarta a possibilid­ade de um atentado motivado por questões político-partidária­s”.

Ronaldo Caiado, governador de Goiás, aliado de Rueda e, eventualme­nte, candidato à presidênci­a pelo partido em 2026, considerou os incêndios “coisa de facínora, de psicopata”. “Vamos ao Tribunal Superior Eleitoral para que isso seja investigad­o como crime político e, também, pedir a suspensão do Bivar no Congresso.”

“Caiado? É um pigmeu moral, não considero o que ele fala”, reagiu Bivar. “Quanto a essas acusações, não passam de ilações, de factóides, você tem de comprovar o que fala, inclusive, na época das eleições de 2022 a mulher do Rueda pediu o meu apartament­o emprestado em Miami e roubou do cofre, é uma ilação que eu tenho de provar, certo? Não sei ainda se eu denuncio isso ao FBI ou não...”

No último episódio de um filme que terá, segurament­e, sequelas, a direção da União pediu, na última quarta-feira, dia 13, a expulsão de Bivar do partido.

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