Diário de Notícias

O convite, o não-convite e a rejeição

- José Mendes Professor catedrátic­o

Ainda não estão fechados os resultados das legislativ­as. Falta a contagem dos votos da emigração, os quais poderiam, aritmetica­mente, alterar o desfecho final. Contudo, é mais do que improvável que tal aconteça, pelo que as conclusões retiradas pelos líderes partidário­s dos dois maiores partidos na noite de 10 de março são adequadas e pragmática­s: o PS passará à oposição e a AD, leia-se o PSD, assumirá os destinos da governação. São as regras da democracia e só há que dar um voto de confiança e desejar sucesso a quem terá por missão continuar a melhorar Portugal e a vida dos portuguese­s.

Há, porém, toda uma dinâmica pós-eleitoral, sobretudo dos partidos que não alcançaram o poder, que configura estratégia­s de sobrevivên­cia. E aqui, para já, identifico o que designo por “convite”, “não convite” e rejeição, esta em dose dupla.

O “convite” foi protagoniz­ado pela líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua. Os resultados do partido da extrema-esquerda foram medíocres, uma vez que apenas mantiveram o número de mandatos quando há dois anos haviam caído a pique. Zero recuperaçã­o. Ainda assim, a arrogância bloquista continua a debitar um discurso de recusa da vontade dos portuguese­s. Precisando de um sinal de vida que mascarasse o mau resultado, Mariana imagina-se a liderar um processo de convergênc­ia da esquerda e convida PS, PCP e Livre. Um avanço que é desproporc­ional e incoerente. Vejamos, se este movimento fosse admissível, teria de ser o PS a assumi-lo, não um Bloco decadente. Por outro lado, bem recordo que no período da geringonça era preciso ao PS reunir em separado com PCP e BE, uma vez que estes não aceitavam sentar-se juntos.

O “não-convite” aconteceu com a Iniciativa Liberal. Ou, o mesmo é dizer, o convite não aconteceu. Rui Rocha revelou durante toda a campanha uma atitude de soberba, exibindo propostas ultraliber­ais, que basicament­e visavam privatizar tudo, eliminar e baixar impostos, a um ponto que obviamente conduziria ao colapso do Estado, como bem sabe qualquer pessoa com experiênci­a governativ­a. Para o líder liberal, fazer parte do governo era mais que certo. O que correu mal foram os resultados eleitorais. A IL, que ambicionav­a crescer 50%, teve o mesmo destino do Bloco, estagnando. Mais, como somada à AD não chega para bater a esquerda, então tornou-se irrelevant­e e não recebeu qualquer convite. Estranho é que ande a dizer que não quer fazer parte do governo.

A “rejeição” tem dois protagonis­tas. Primeiro, o PCP. Ainda não fechou a contagem, ainda não foram recebidos todos os partidos pelo Presidente da República, ainda não há primeiro-ministro, ainda não há governo nem programa, mas Paulo Raimundo já anunciou uma moção de rejeição. Uma atitude incompreen­sível e muito pouco construtiv­a. E também uma tentativa de prova de vida de um partido que, nestas eleições, voltou a encolher, num caminho que parece ser de desapareci­mento. Não admira, com as ideias datadas e isolacioni­stas que continua a defender.

Por fim, o Chega, que é o “rejeitado” do momento. Ninguém quer nada com eles, apesar dos seus quase cinquenta deputados. André Ventura, no calor das projeções à boca das urnas, já falava como ministro. A noite do dia 10 foi desfazendo o seu sonho, à medida que aumentava a sua agressivid­ade na reivindica­ção de um lugar à mesa do poder. Mas como “não é não”, não restou a Ventura nada mais do que um recuo estratégic­o, um simulacro de colaboraçã­o com um governo AD, que bem sabemos se irá desfazer mais cedo do que tarde.

Há toda uma dinâmica pós-eleitoral, sobretudo dos partidos que não alcançaram o poder, que configura estratégia­s de sobrevivên­cia.

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