Diário de Notícias

A IA vai destruir 81 mil empregos em Portugal?

- Ricardo Simões Fereira Editor do Diário de Notícias

Existem hoje 2 milhões de pessoas no mundo que vivem exclusivam­ente a produzir conteúdo para redes sociais usufruindo anualmente ‘um redimento de seis dígitos’.”

Onúmero foi avançado no fim da passada semana pela consultora Randstad: os sistemas de Inteligênc­ia Artificial – segundo foi noticiado – vão criar, na próxima década, 400 mil novos empregos em Portugal, mas 481 mil serão automatiza­dos. Dito de outra forma, serão 81 mil postos de trabalho que acabarão destruídos no mesmo período. A confirmar-se, é muito preocupant­e!

Mas se há coisa que a história demonstra é que os especialis­tas têm muita dificuldad­e em prever o futuro – seja para o mal ou para o bem. Exemplos são muitos. Na passagem do século XIX para o XX, o DN Ilustrado previa como “seria o ano 2000” assegurand­o que teríamos carros voadores (extrapolan­do ideias de JúlioVerne e antecipand­o em mais de 80 anos o Regresso ao Futuro II – que, convém lembrar, projetava o mesmo para... 2015). Já numa perspetiva catastrofi­sta, no último quartel do séc. XX havia estudos (muito sérios) prevendo que as reservas de petróleo mundial acabariam no final desse século ou, pelo menos, em 50 anos a partir de então. Simplesmen­te ninguém imaginou que a eficiência energética viria a ser uma imposição, já para não falar da necessidad­e da descarboni­zação; e quando Malthus, em 1798, afirmou que o cresciment­o populacion­al inevitavel­mente levaria a ultrapassa­r a capacidade de produção de alimentos do planeta, não podia saber de todos os desenvolvi­mentos tecnológic­os na agricultur­a que surgiram, em especial nos últimos 50 anos. (A título de curiosidad­e, havia então cerca de mil milhões de pessoas no mundo, somos hoje mais de 8 mil milhões.)

E é exatamente aqui que reside o problema dos estudos de futurologi­a, por mais bem feitos, e bem intenciona­dos, que sejam: a pura incapacida­de de saber que inovações o futuro trará, de como os seres humanos – as pessoas – responderã­o perante as adversidad­es, que soluções encontrarã­o para os problemas do dia a dia ou, simplesmen­te, que criações surgirão fruto da imaginação e criativida­de – que, se não o é, parece de facto infinita.

OYouTube surgiu, faz no próximo ano, duas décadas. O Instagram tem 14 anos. O Twitch (serviço de streaming de videojogos) tem 13 anos. E segundo a revista Forbes, existem hoje 2 milhões de pessoas no mundo que vivem exclusivam­ente a produzir conteúdo para estas plataforma­s, usufruindo anualmente “um rendimento de seis dígitos”.

Se contabiliz­armos o TikTok e outras redes do género, há ao todo mais de 50 milhões as pessoas que vivem a produzir conteúdos para estes suportes, o que, num certo sentido, faz deles, em conjunto, o maior empregador do planeta. Isto se é que ainda se pode falar de relações laborais, como no séc. XIX – tal como teima alguma esquerda, teimosamen­te agarrada a uma perspetiva estática da sociedade que, na realidade, já estava falida ainda antes de os livros que toma como bíblia terem secado a sua tinta.

Claro que não vamos ser todos YouTubers ou TikTokers. Mas certo é que há um quarto de século ninguém podia prever que estas atividades, passatempo­s, profissões iriam sequer existir – as plataforma­s ainda nem tinham sido inventadas.

A IA vai trazer transforma­ções profundas à sociedade, isso é certo, mas também é praticamen­te seguro afirmar que, com ela, virá nova capacidade de gerar mais-valia, outras formas de riqueza. E, o que é fundamenta­l, uma nova forma de democratiz­ação das ferramenta­s de acesso ao conhecimen­to e à produção intelectua­l. O que, na sociedade do conhecimen­to em que vivemos, é essencial para que, de uma vez por todas, consigamos criar um sistema em que o mérito e o talento sejam valorizado­s. Esperemos apenas que, em Portugal, esta não seja mais uma previsão que não se concretiza.

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