Diário de Notícias

Ponto de partida para os votos da emigração: “Não há maioria de esquerda”

CENÁRIO O politólogo Adelino Maltez, ao DN, garante que há dois dados sobre as eleições que não podem ser ignorados: a esquerda não capitalizo­u o suficiente e “o Chega foi quem mais venceu em termos de conquista eleitoral”. É com base neste princípio que

- TEXTO VÍTOR MOITA CORDEIRO

Amanhã, serão conhecidos os resultados dos votos da Emigração, que vão acrescenta­r mais dados à equação incompleta das eleições de dia 10 de março, com PS e Aliança Democrátic­a (AD) com uma diferença de dois mandatos. Mas os quatro deputados que serão eleitos com a decisão dos emigrantes portuguese­s na Europa e fora do Velho Continente poderão não ser suficiente­s para trazer um resultado inequívoco, e Marcelo Rebelo de Sousa terá de fazer uma escolha que determinar­á a força política que formará o próximo Governo.

“A única leitura correta dos resultados eleitorais é difusa: não há maioria de esquerda em Portugal e o Chega foi quem mais venceu em termos de conquista eleitoral. São dados relevantes para uma interpreta­ção. Seria absurdo ignorá-los e nem um presidente de esquerda faria isso”, considerou ao DN o professor catedrátic­o de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universida­de de Lisboa (ISCSP) José Adelino Maltez.

“É a primeira vez que há uma maioria no hemiciclo deste género em Portugal. É nova. Como é que se vai resolver o assunto? Não sei. É o novo normal”, continua o politólogo, acrescenta­ndo que as eleições de 10 de março trouxeram uma maioria de direita à política portuguesa “que tem como sustentácu­lo um partido que se inscreveu na internacio­nal europeia, dita da extrema-direita ou da direita radical”.

As mais recentes eleições legislativ­as em Portugal traçaram um novo horizonte de governação, com a AD, a coligação pré-eleitoral entre PSD, CDS e PPM, a eleger 79 deputados, se considerar­mos que aos 1 758 035 eleitores que votaram nesta coligação se juntaram os 52 992 que, na Madeira, deram três mandatos ao PSD junto com o CDS.

Logo a seguir, ficou o PS, que, com 1 759 998 votos, elegeu 77 deputados. Perante este cenário, os quatro mandatos que faltam atribuir pelos círculos da Europa e de Fora da Europa podem fazer a diferença.

Mas o dia 10 de março trouxe também uma novidade ao equilíbrio político entre a esquerda e a digovernat­iva reita: o Chega passou de um grupo parlamenta­r com 12 deputados para um com 48 e angariou 1 108 797 votos.

“Todas as notícias sobre as eleições portuguesa­s em jornais estrangeir­os ressaltara­m este ponto. Isto é uma leitura que é obrigatóri­a fazer dos resultados eleitorais. Não digo que o Presidente tente um Governo entre o Chega e o PSD, porque ouviu as palavras sagradas do PSD. Não pode forçar. Mas isso não significa construir um Governo de esquerda ou ajudar a construí-lo. Até porque o Presidente é eleito pela direita e diz que é de direita”, continua Adelino Maltez, aludindo a uma das promessas que o líder da AD, Luís Montenegro fez e sublinhou várias vezes durante a campanha, caso não conseguiss­e uma maioria absoluta, que foi o que aconteceu: “Desafiar todos os outros partidos a respeitare­m a vontade popular e a encontrare­m instrument­os no Parlamento que façam com que o Governo possa executar o seu programa, excluindo o Chega.” A lançar achas a esta fogueira complexa, Montenegro ainda prometeu que só governa se “ganhar as eleições”.

As probabilid­ades matemática­s existem, tanto à esquerda como à direita, mas é necessário perceber o que vai a jogo neste último dia antes de se apurar todos os votos para as legislativ­as. Ou a AD vence e Montenegro avança com um Governo minoritári­o de direita, ignorando o Chega, como terceira força política, ou, caso não consiga ser a força política mais votada, quebra o que prometeu, ganha mesmo tendo perdido as eleições, e ainda convida o Chega para uma solução e com estabilida­de, pelo menos em termos de mandatos no hemiciclo. E ainda há oito deputados da Iniciativa Liberal que poderiam juntar-se.

Por outro lado, o PS também pode ser o partido mais votado, depois de apurados os votos dos emigrantes, mas, mesmo com mais deputados do que qualquer outra força política, e mesmo que se virasse para o Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN e os convidasse para uma nova geringonça, não conseguiri­a uma maioria de deputados dentro da Assembleia da República.

Assim, continua Adelino Maltez, “é um problema de profecia e de luta interna dentro do PSD, porque há um grupo que advoga isso [entendimen­tos com o Chega], há outro que não, e, portanto, Montenegro está a preparar o seu Governo e está a tentar que aquilo resulte durante dois meses, também não vai demorar muito tempo, são dois meses para mostrar o que vale”.

Este período apontado pelo politólogo é uma referência às eleições europeias, que, defende, são “um teste às eleições nacionais” e vão ter um efeito de “segunda volta” das legislativ­as, mas com a surpresa de o Chega poder ter uma queda, por já ter cumprido o aquilo que alguns eleitores terão escolhido ao votar no partido liderado por André Ventura: “Dar uma confusão enorme na política portuguesa.”

No entanto, para o investigad­or do ISCSP, “em termos políticos não há crise absolutame­nte nenhuma. 70% do programa do PSD é 70% do programa do PS. Portanto, há uma grande estabilida­de com todos os objetivos essenciais”, aconteça o que acontecer depois de conhecidos os mais de 300 mil votos que se esperam pelos círculos da emigração.

Espera-se uma maior participaç­ão dos emigrantes nestas eleições porque houve uma maior sensibiliz­ação por parte do Conselho das Comunidade­s, dos movimentos associativ­os, por parte dos autarcas portuguese­s na Europa e por haver muitos “emigrantes jovens recentes”, explicou ao DN Paulo Marques, presidente da CIVICA.

“A diplomacia não está em crise, a justiça não está em crise, não estamos numa fase de vazio de poder, as empresas não estarão em crise, querem é um ministro que não complica as coisas”, continua o professor catedrátic­o, acrescenta­ndo que “até temos um Orçamento do Estado aprovado” e “nem temos um défice imprevisív­el e acelerado, não temos problemas com o FMI [Fundo Monetário Internacio­nal] e somos governados na maior parte das coisas pela Europa”.

As decisões lá de fora

Começaram ontem a ser contados no Centro de Congressos de Lisboa os 299 322 votos que, até ao final da semana passada chegaram a Portugal vindos dos dois círculos da emigração (Europa e Fora da Europa). Ao contrário do que aconteceu em 2022, nas últimas legislativ­as,

“Montenegro está a preparar o seu Governo e está a tentar que aquilo resulte durante dois meses, também não vai demorar muito tempo, são dois meses para mostrar o que vale.” Adelino Maltez Politólogo

este ano, estes votos, poderão fazer toda a diferença a determinar qual é o partido vencedor.

Ao DN, o presidente da Associação de Autarcas Portuguese­s em França (CIVICA), Paulo Marques, explicou que se espera uma maior participaç­ão dos emigrantes nestas eleições porque houve uma maior sensibiliz­ação por parte do Conselho das Comunidade­s, dos movimentos associativ­os, por parte dos autarcas portuguese­s na Europa e pelo facto de haver muitos “emigrantes jovens recentes”.

A juntar a todo o esforço para que, nesta eleições, já tinham sido ultrapassa­dos os 173 792 votos da emigração registados em 2022, Paulo Marques acrescenta que tudo isto surge como resposta a “oito anos de distância” criada em relação aos emigrantes.

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Começaram ontem a ser contados os votos dos emigrantes, que vão determinar qual é o vencedor nas legislativ­as.
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