Quase 1,2 milhões de votos não serviram para eleger quaisquer deputados
Um estudo do matemático Henrique Oliveira mostra que o atual método de conversão de votos em mandatos é penalizador.
Quase 1,2 milhões de votos nas eleições legislativas não serviram para eleger qualquer deputado, o que representa cerca de um em cada cinco votos válidos, apurou um estudo do matemático Henrique Oliveira, do Instituto Superior Técnico (IST ). “Encontrámos 1.166.263 votos sem representatividade no país. Somando os restos de todos os círculos eleitorais analisados (20 equivalentes ao território nacional), corresponde a 19,5% dos votos válidos”, indica a análise a que a Lusa teve acesso.
Este estudo analisa o escrutínio das eleições legislativas de 10 deste mês, à luz do método de Hondt, com base nos resultados provisórios do Ministério da Administração Interna, sem os círculos eleitorais da Europa e de Fora da Europa, cujos votos começaram ontem a ser contados.
Segundo Henrique Oliveira, especialista em sistemas dinâmicos, um exemplo da falta de representatividade pode ser observado em círculos eleitorais onde os partidos mais pequenos não conseguem alcançar o limiar de votos necessário para obter um mandato. “Nesses casos, mesmo que esses partidos recebam uma parcela significativa dos votos, todos os seus votos são efetivamente descartados. Isso cria um sistema no qual os eleitores de forças minoritárias votam sem representatividade”, alerta o estudo.
Na prática, de acordo com o professor do departamento de matemática do IST, a forma de distribuição dos mandatos nos diversos círculos, através do método de Hondt, pode levar a diferentes “custos” em votos por cada deputado na composição final do Parlamento. “Podemos encontrar mandatos que necessitam de muitos mais votos em certos círculos do que noutros, bem como dentro do próprio círculo”, refere a análise, ao concluir que, perante isso, o PS foi o partido “mais eficiente” a eleger deputados nas eleições deste mês, estando o PAN no extremo oposto. Esta eficiência significa que os socialistas elegeram em quase todos os círculos até este momento, ficando com restos de apenas 7,6% da sua votação, tendo uma taxa de conversão de 92,4% dos votos em mandatos, seguido de perto pela AD. No outro extremo, o PAN apenas consegue converter 20,6% dos seus votos em mandatos.
“O custo em votos de um assento parlamentar sobe de cerca de 22.857 para força política mais eficiente, o PS, para 118.579 para a força política mais pequena, o PAN, que tem um custo por mandato mais elevado”, conclui o estudo.
Esta é, aliás, uma das situações que a criação de um eventual círculo de compensação podia alterar, aproveitando estes votos‘perdidos’. A proposta já foi feita pela Iniciativa Liberal (IL) no Parlamento, mas foi chumbada. Na altura (em dezembro de 2023), a maioria dos partidos disse que, apesar de serem a favor da medida, a discussão não devia ser feita em véspera de eleições. Para se mudar o sistema eleitoral, a Constituição tem de ser mudada e, para isso, é necessário o acordo de dois terços dos partidos.