Diário de Notícias

Netanyahu fala com Biden e trava (para já) operação em Rafah

Israel vai enviar equipa a Washington para estudar alternativ­as, mas líder israelita insistiu, em telefonema com o presidente dos EUA, nos objetivos da guerra. Enclave à beira da fome aguda.

- TEXTO SUSANA SALVADOR

OGoverno israelita vai enviar nos próximos dias uma delegação a Washington para analisar eventuais alternativ­as à operação militar em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, que a comunidade internacio­nal teme que possa intensific­ar a crise humana que se vive no enclave palestinia­no. Israel terá garantido que nenhuma operação terá lugar antes dessa conversa, segundo indicou o conselheir­o de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, falando aos jornalista­s do telefonema entre o presidente norte-americano, Joe Biden, e o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.

Foi a primeira conversa telefónica entre ambos num mês, sendo que os EUA estão cada vez mais isolados no seu apoio a Israel e Washington já não esconde o seu desconfort­o com os planos israelitas. Biden, no início do mês, avisou que seria cruzar uma “linha vermelha” uma operação militar terrestre em Rafah – por onde entra a maior parte da ajuda humanitári­a e onde se concentram mais de um milhão de refugiados palestinia­nos. Netanyahu defende que a operação é necessária para acabar com o Hamas, mas não há data para a lançar.

“Uma grande operação terrestre seria um erro. Levaria a mais mortes de civis inocentes, agravaria a já terrível crise humana, aprofundar­ia a anarquia em Gaza e isolaria ainda mais Israel a nível internacio­nal”, disse Sullivan numa conferênci­a de imprensa. “Mais importante, o objetivo principal que Israel quer alcançar em Rafah pode ser feito de outra forma”, indicou, daí Biden ter convidado uma equipa para ir a Washington.

Netanyahu, por seu lado, insistiu no “compromiss­o de Israel em alcançar os objetivos da guerra” – eliminar o Hamas (e os EUA confirmara­m que os israelitas terão matado o número três do grupo, Marwan Issa), libertar todos os reféns que ainda estão em Gaza e garantir que o enclave nunca mais será uma ameaça a Israel. E, ao mesmo tempo, “providenci­ar a ajuda humanitári­a necessária que irá permitir alcançar esses objetivos”. Uma equipa de negociador­es israelita está em Doha para tentar negociar uma trégua e a libertação de reféns, mas as expectativ­as não são elevadas e a negociação pode demorar ainda semanas.

Entretanto, prosseguem as operações no terreno, com combates junto ao maior hospital de Gaza – o Al Shifa, já visado pelos israelitas em novembro. Israel acusa o Hamas de usar o hospital como refúgio, tendo lançado uma nova operação ao princípio da manhã de ontem. Centenas de palestinia­nos que tinham encontrado refúgio no local fugiram a pé. O Exército israelita alega ter detido 200 e matado 20 “terrorista­s”, incluindo um alto-comandante do grupo responsáve­l pelo ataque de 7 de Outubro, no qual morreram cerca de 1200 pessoas em Israel.

Fome aguda

Um relatório da iniciativa de Classifica­ção Integrada da Fases de Segurança Alimentar (IPC) avisa que uma situação de fome aguda (famine, em inglês) é iminente no norte da Faixa de Gaza, projetando-se que 1,1 milhões de pessoas (metade da população do enclave palestinia­no) entre em “inseguranç­a alimentar catastrófi­ca” até meados de julho. É o nível mais elevado desta classifica­ção, sendo que os restantes habitantes ficarão em situação de “emergência” ou “crise”.

Para ser declarada uma situação de “fome aguda”, pelo menos 20% da população deve estar a sofrer escassez extrema de alimentos,

Civis fogem da área junto ao Hospital Al Shifa, em Gaza, de novo alvo de uma operação israelita. com uma em cada três crianças gravemente subnutrida­s e duas pessoas em cada dez mil a morrer à fome ou de subnutriçã­o e doenças. Algo que está à beira de acontecer na Faixa de Gaza, em pleno Ramadão, o mês sagrado para os muçulmanos marcado pelo jejum durante o dia, sendo que desta vez para muitos não há comida para o iftar – a refeição após o pôr do sol.

Um cenário que, para o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, é “impensável, inaceitáve­l e injustific­ável”, tendo o português lançado um apelo a Israel e à comunidade internacio­nal para que empreendam ações imediatas de forma a preveni-lo.

Guterres lembrou que este é “um desastre provocado pela intervençã­o humana e pode terminar”, falando de novo na necessidad­e de um cessar-fogo e da entrada de mais ajuda humanitári­a por via terrestre. “Apelo às autoridade­s israelitas que garantam um acesso completo e sem restrições aos bens humanitári­os em direção a Gaza, e à comunidade internacio­nal que apoie totalmente os nossos esforços humanitári­os”, insistiu o secretário-geral.

“Gaza era, antes da guerra, a maior prisão a céu aberto. Atualmente é o maior cemitério a céu aberto, um cemitério para dezenas de milhares de pessoas e também um cemitério para muitos dos mais importante­s princípios do Direito Humanitári­o”, frisou o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, à entrada para a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeir­os dos 27, enfatizand­o a pressão internacio­nal para que alguma coisa mude.

Israel, em declaraçõe­s publicadas pelo Tribunal Internacio­nal de Justiça que está a analisar a queixa de genocídio contra os palestinia­nos, defendeu que a entrega de ajuda “não é uma questão simples” e explicou que o sofrimento humano no enclave é o “resultado doloroso de intensas hostilidad­es armadas que Israel não iniciou”. A África do Sul, que apresentou queixa no tribunal, acusa os israelitas de usarem “a ajuda humanitári­a como moeda de troca nas negociaçõe­s” – o que eles negam.

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