Marcelo recebe Montenegro à hora a que deixam de ser aceites mais votos da emigração
Presidente da República deve emitir nota em vez de fazer comunicação. Mas só indigitará o primeiro-ministro quando souber quem foi eleito pela Europa e Fora da Europa.
Escrutínio decorre até hoje no Centro de Congressos de Lisboa.
OPresidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai receber o presidente do PSD e líder da Aliança Democrática (AD), Luís Montenegro, às 17h00 desta quarta-feira, precisamente a hora a que deixam de ser aceites mais votos dos círculos de emigração, que irão definir quem são os últimos quatro deputados e qual será o maior grupo parlamentar da próxima Assembleia da República.
Com 226 eleitos já apurados existe um empate a 77 deputados entre PSD e PS – embora no âmbito da AD haja mais dois deputados do CDS-PP – pelo que à partida existia a possibilidade de haver mais eleitos socialistas do que sociais-democratas na próxima legislatura. Bastaria para tal que se repetisse o resultado de 2022, quando o PS obteve os dois mandatos da Europa e dividiu com o PSD os de Fora da Europa.
Mas essa hipótese parece afastada, tendo em conta o apuramento em curso no Centro de Congressos de Lisboa, ao ponto de o presidente da Assembleia da República cessante, Augusto Santos Silva, que voltou a ser cabeça de lista do PS por Fora da Europa, ter a sua reeleição dada como praticamente impossível. Até agora, quando falta escrutinar cerca de 40 mil votos, aos quais acrescem os que ainda chegarão no início do dia de hoje, a AD liderava claramente no círculo de Fora da Europa e o PS mantinha vantagem na Europa, com o Chega bem posicionado para eleger os seus candidatos num e noutro, elevando o grupo parlamentar do partido liderado por André Ventura de 48 para 50 deputados.
Estas tendências foram reconhecidas à RTP por representantes das principais forças políticas presentes no Centro de Congressos de Lisboa. O social-democrata José Cesário, que foi secretário de Estado das Comunidades Portuguesas em três governos, disse que “infelizmente a AD não elege na Europa e fora da Europa ganha claramente”, o que representa o seu regresso à Assembleia da República, pois é o cabeça de lista da coligação de centro-direita por esse círculo.
José Cesário também disse à RTP, acerca do destino de Augusto Santos Silva, que “é praticamente certo que ficará de fora”, o que foi admitido pelo socialista Paulo Pisco, com a reeleição praticamente garantida pelo círculo da Europa, ao contrário da atual deputada Nathalie de Oliveira. “O PS passa de três para um deputado. É óbvio que isto não é um bom resultado”, disse.
Confirmando-se a tendência, os quatro eleitos que faltam serão José Cesário (AD) e Manuel Magno (Chega), por Fora da Europa, bem como Paulo Pisco (PS) e José Dias Fernandes (Chega), pela Europa. Um resultado que manterá o empate entre o PSD e o PS, com 78 deputados cada um, mas ampliará a maioria à direita do até agora hegemónico PS, com um total de 138 parlamentares entre PSD, Chega, Iniciativa Liberal e CDS-PP.
Literalmente por apurar está a hora a que os resultados finais serão oficializados, com o porta-voz da Comissão Nacional de Eleições, Fernando Anastácio a não se comprometer. Algo que fará com que Luís Montenegro possa sair da audiência no Palácio de Belém sem a confirmação de uma indigitação para formar Governo que deverá ser oficializada através de uma nota da Presidência em vez de uma comunicação televisiva.
Oprincipal problema da política em Portugal não é André Ventura, nem a normalização, decorrente dos resultados do último ato eleitoral, do discurso sedimentado na difamação das instituições democráticas, no preconceito racial, no negacionismo ambiental e na tentativa de reabilitação do fascismo português que vários militantes e dirigentes do Chega abertamente defendem ou defenderam até há muito pouco tempo.
Na verdade, o Chega não está sozinho nisso. Era até agora um ideário envergonhado entre as elites políticas e mediáticas, circulava pelos meios de difusão com pezinhos de lã, mas, como temos visto através de vozes do centro e centro-direita que apresentam argumentos para um entendimento entre PSD e Chega para a governação, muita gente do “sistema” revela-se, afinal, adepto de algumas destas ideias.
É evidente que temos de respeitar democraticamente um milhão e 109 mil votos que o partido de André Ventura recebeu, mas também devemos respeitar o facto de mais de 8 milhões de portugueses não terem votado nas ideias dele.
Aceitar sem combate político vigoroso, intenso, sim, mas correto, decente e esclarecedor o crescimento das ideias do Chega mais perniciosas para o justo equilíbrio democrático português é desrespeitar a maioria dos portugueses – e, portanto, ceder às reivindicações do Chega mais corruptoras da arquitetura do Portugal constitucional é trair a vontade de 8 em cada 9 portugueses com capacidade eleitoral, é desrespeitar uma imensa maioria que não manifestou apoio a um partido que já prometeu “acabar com o regime”.
O Chega deve ter todo o acesso ao poder político que a Constituição lhe dá e que a Justiça lhe permite – a grande votação que conquistou dá-lhe esse direito, mas não deve ter nem mais um milímetro para além desse espaço, e qualquer cedência para além disso, qualquer ato que amplifique, para lá do necessário e legítimo, a sua influência é, simplesmente, uma traição à maioria dos portugueses .
Se Luís Montenegro o fizer não atraiçoa apenas uma promessa eleitoral, falseia o sentido de voto dos portugueses que o fizeram na AD, dos outros que votaram em todos os outros partidos menos no Chega, dos que votaram em branco ou dos abstencionistas: nenhum desses portugueses, 88% do universo eleitoral, manifestou-se no sentido de mudar o regime saído do 25 de Abril, ao contrário dos 12% de portugueses eleitores que votaram em André Ventura (e estou a presumir que todos eles querem isso, o que é muito discutível).
O principal problema da política em Portugal não é, portanto, André Ventura, é a ineficácia do combate às suas ideias e às suas táticas políticas, é a cedência ao seu projeto – e aí a responsabilidade não é dele.