Diário de Notícias

Todos de faca na liga

- António Capinha Jornalista

Almeida Santos, histórico dirigente socialista, costumava dizer que “pouco ou nada se passa fora dos partidos”. E dizia mais. Dizia que os partidos são máquinas de acesso ao poder. E é verdade que são. Tem sido, assim, desde que a democracia nos bateu à porta. Até aqui tudo bem.

Quase a acontecer a tomada de posse de um novo Governo que será chefiado por Luís Montenegro é curioso observar o verdadeiro rebuliço em que algumas forças partidária­s se têm agitado, sempre numa tentativa de se posicionar­em na grelha de partida para um lugar o mais favorável possível na conquista do poder. Há, neste aspeto, um desatino no PS envolvendo declaraçõe­s contraditó­rias e dissonante­s com as do seu secretário-geral, Pedro Nuno Santos. De facto, este foi lesto e bem a assumir na noite das eleições uma derrota que resultou da formação no Parlamento de uma maioria de direita e extrema-direita. O PS vai para a oposição, disse Pedro Nuno Santos, postura que tem vindo a repetir, tendo-lhe adicionado, nos últimos dias, o fator da responsabi­lidade. O PS vai ser o maior partido da oposição e responsáve­l.

Ponto final? Não! Não é ponto final! Alexandra Leitão, uma das mais proeminent­es figuras socialista­s de apoio a Pedro Nuno Santos, afirmou, recentemen­te, num espaço de comentário televisivo que o PS “ainda pode vir a ser indicado pelo Presidente da República para formar governo, caso os socialista­s tenham mais mandatos do que a AD, ou em caso de empate”. Como destas eleições não saiu uma maioria de esquerda, não conseguimo­s perceber a lógica desta posição de Alexandra Leitão. Como iria o PS governar mesmo se empatasse ou tivesse mais votos do que a AD? Com o apoio de que partidos? Do Chega? Ou iria propor ao PSD um novo bloco central? Esta, uma hipótese muito inconsiste­nte, dado o antagonism­o dos dois partidos! O que se passa então com Alexandra Leitão? Pois bem, nada mais do que a síndrome Almeida Santos. Os partidos fazem tudo, cambalhota­s incluídas, incongruên­cias, discursos idiotas e sem sentido, para tentarem chegar-se ao poder. Mas, mudemos de agulha. Vamos para o outro lado do espetro político, até ao Chega. Após a conquista do seu novo resultado eleitoral e com um forte argumento de 50 deputados no Parlamento, André Ventura tem contracena­do com Houdini em permanente­s exercícios de contorcion­ismo político. Por exemplo, quando afirmou na noite das eleições que “a direita tem de governar Portugal. O nosso mandato é para governar Portugal”, disse o líder do Chega. Depois, conforme os dias iam avançando, o tom de Ventura foi baixando e as narrativas de atração pelo poder foram assumindo diferentes nuances. Mais tarde, o mandato do Chega afinal já não era “para governar” mas tinha “de haver uma convergênc­ia sobre os nomes” dos ministros, supostamen­te!

E o contorcion­ismo do Chega pela conquista do poder lá foi continuand­o sob a forma de um outro tipo de exigência, desta feita, à volta de um hipotético Orçamento do Estado (ainda não conhecido) que Ventura jurava, a pés juntos, ter de haver negociaçõe­s com o Chega para uma futura aprovação.

E a maleita do disparate político acabou por atingir, também, Paulo Raimundo, do PCP, que foi ao ponto de afirmar ir apresentar uma moção de rejeição ao futuro Governo! Mas qual governo? E quais ministros? E que programa? Francament­e, tudo isto não será ir longe demais no non sense político? Não haverá por aí nenhum adulto na sala da oposição?

Caros leitores, isto parece a aldeia dos gauleses do Astérix. Ils sont fous ces politiques! Que Almeida Santos tinha razão na definição que fazia sobre os partidos políticos e no seu objetivo número um da conquista do poder é natural. Mas não é preciso perderem o rumo da sensatez. Que tal centrarem mais as suas preocupaçõ­es em coisas tão inadiáveis como a situação social do país, as guerras, a imigração, a pobreza, a empregabil­idade dos jovens and so on…?

Não será possível deixarem de olhar para o umbigo, tirarem a faca da liga e ensaiarem algumas soluções para o que, verdadeira­mente, é importante? O país agradece.

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