Todos de faca na liga
Almeida Santos, histórico dirigente socialista, costumava dizer que “pouco ou nada se passa fora dos partidos”. E dizia mais. Dizia que os partidos são máquinas de acesso ao poder. E é verdade que são. Tem sido, assim, desde que a democracia nos bateu à porta. Até aqui tudo bem.
Quase a acontecer a tomada de posse de um novo Governo que será chefiado por Luís Montenegro é curioso observar o verdadeiro rebuliço em que algumas forças partidárias se têm agitado, sempre numa tentativa de se posicionarem na grelha de partida para um lugar o mais favorável possível na conquista do poder. Há, neste aspeto, um desatino no PS envolvendo declarações contraditórias e dissonantes com as do seu secretário-geral, Pedro Nuno Santos. De facto, este foi lesto e bem a assumir na noite das eleições uma derrota que resultou da formação no Parlamento de uma maioria de direita e extrema-direita. O PS vai para a oposição, disse Pedro Nuno Santos, postura que tem vindo a repetir, tendo-lhe adicionado, nos últimos dias, o fator da responsabilidade. O PS vai ser o maior partido da oposição e responsável.
Ponto final? Não! Não é ponto final! Alexandra Leitão, uma das mais proeminentes figuras socialistas de apoio a Pedro Nuno Santos, afirmou, recentemente, num espaço de comentário televisivo que o PS “ainda pode vir a ser indicado pelo Presidente da República para formar governo, caso os socialistas tenham mais mandatos do que a AD, ou em caso de empate”. Como destas eleições não saiu uma maioria de esquerda, não conseguimos perceber a lógica desta posição de Alexandra Leitão. Como iria o PS governar mesmo se empatasse ou tivesse mais votos do que a AD? Com o apoio de que partidos? Do Chega? Ou iria propor ao PSD um novo bloco central? Esta, uma hipótese muito inconsistente, dado o antagonismo dos dois partidos! O que se passa então com Alexandra Leitão? Pois bem, nada mais do que a síndrome Almeida Santos. Os partidos fazem tudo, cambalhotas incluídas, incongruências, discursos idiotas e sem sentido, para tentarem chegar-se ao poder. Mas, mudemos de agulha. Vamos para o outro lado do espetro político, até ao Chega. Após a conquista do seu novo resultado eleitoral e com um forte argumento de 50 deputados no Parlamento, André Ventura tem contracenado com Houdini em permanentes exercícios de contorcionismo político. Por exemplo, quando afirmou na noite das eleições que “a direita tem de governar Portugal. O nosso mandato é para governar Portugal”, disse o líder do Chega. Depois, conforme os dias iam avançando, o tom de Ventura foi baixando e as narrativas de atração pelo poder foram assumindo diferentes nuances. Mais tarde, o mandato do Chega afinal já não era “para governar” mas tinha “de haver uma convergência sobre os nomes” dos ministros, supostamente!
E o contorcionismo do Chega pela conquista do poder lá foi continuando sob a forma de um outro tipo de exigência, desta feita, à volta de um hipotético Orçamento do Estado (ainda não conhecido) que Ventura jurava, a pés juntos, ter de haver negociações com o Chega para uma futura aprovação.
E a maleita do disparate político acabou por atingir, também, Paulo Raimundo, do PCP, que foi ao ponto de afirmar ir apresentar uma moção de rejeição ao futuro Governo! Mas qual governo? E quais ministros? E que programa? Francamente, tudo isto não será ir longe demais no non sense político? Não haverá por aí nenhum adulto na sala da oposição?
Caros leitores, isto parece a aldeia dos gauleses do Astérix. Ils sont fous ces politiques! Que Almeida Santos tinha razão na definição que fazia sobre os partidos políticos e no seu objetivo número um da conquista do poder é natural. Mas não é preciso perderem o rumo da sensatez. Que tal centrarem mais as suas preocupações em coisas tão inadiáveis como a situação social do país, as guerras, a imigração, a pobreza, a empregabilidade dos jovens and so on…?
Não será possível deixarem de olhar para o umbigo, tirarem a faca da liga e ensaiarem algumas soluções para o que, verdadeiramente, é importante? O país agradece.